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A crise atual do mercado de trabalho e suas perspectivas

Embora a atual recessão tenha se iniciado em meados de 2014, seus efeitos sobre o mercado de trabalho do país só começaram a ser sentidos com mais clareza no início de 2015. Tal resultado não chega a ser uma surpresa, pois tanto na queda quanto no crescimento o mercado de trabalho leva alguns meses para acompanhar o comportamento da economia.

A partir de janeiro de 2015, o mercado de trabalho entrou em franco retrocesso com uma rapidez e intensidade sem paralelo com as experiências recessivas anteriores. Segundo os dados da PNAD Contínua (PNADC), a taxa de desemprego passou de 6,8% em janeiro de 2015 para 12% em dezembro de 2016. Atualmente, há 12,3 milhões de desempregados de acordo com as estatísticas oficiais do IBGE. O emprego com carteira assinada reduziu em quase 3 milhões o número de vagas nos últimos dois anos e meio.

Surpreendentemente, a remuneração média das pessoas ocupadas caiu relativamente pouco (3%) desde o início de 2015. Se levarmos em consideração a intensidade da queda da economia nos últimos dois anos e a aceleração inflacionária do ano passado, seria de se esperar que o nível de rendimento tivesse sido mais atingido. A atual política do salário mínimo e os reajustes efetuados nos meses de janeiro de cada ano certamente tiveram um papel importante para evitar que o rendimento do pessoal ocupado caísse ainda mais.

Uma das vantagens da PNADC é permitir o acompanhamento mensal do mercado de trabalho, de modo a se ter uma visão conjuntural do que está ocorrendo. A análise de seus dados nos últimos dois anos confirma a intensidade da piora até meados de 2016. Mas, por outro lado, também sinaliza para um arrefecimento dela no segundo semestre do ano passado.

Vamos ilustrar a situação com as três variáveis fundamentais do mercado de trabalho já mencionadas acima: a taxa de desemprego, o nível médio de remuneração e o tamanho do setor formal da economia (empregos com carteira assinada no setor privado). As três variáveis podem ser combinadas e analisadas simultaneamente através de um índice multidimensional, variando entre 0 e 1, de modo que, quanto mais alto seu valor, melhor é a situação analisada (a metodologia deste índice pode ser vista no Texto para Discussão 021/2014, em www.ie.ufrj.br).

O gráfico mostra a evolução do índice no período entre março de 2012 e dezembro de 2016. A melhora é nítida nos dois primeiros anos. Apresenta certa flutuação ao longo de 2014 e forte piora a partir do início de 2015. Se considerarmos o valor do índice, em março de 2012 ele atingia 0,295. No auge, em abril de 2014, chegou a 0,935. Em dezembro de 2016, não passava de 0,160. Em outras palavras, a situação atual do mercado de trabalho é bem inferior àquela encontrada em 2012; isso significa que o mercado de trabalho teria recuado pelo menos quatro anos (a PNADC teve início em março de 2012, não permitindo análises comparativas com anos anteriores).

Outro resultado que pode ser destacado no índice é sua relativa estabilidade a partir de meados do ano passado. A taxa de desemprego cresceu muito pouco desde o último mês de agosto. A remuneração média vem aumentando um pouco desde julho. Mas o emprego com carteira assinada continuou caindo até dezembro. Como consequência, o índice multidimensional do mercado de trabalho apresentou certa estabilidade ao longo do segundo semestre do ano passado, como pode ser verificado no gráfico.

A pergunta que surge neste início de 2017 é se o mercado de trabalho teria chegado ao fundo do poço e se ele irá se recuperar daqui para a frente. A resposta obviamente não é simples.

O governo acredita que com a aprovação da PEC 241 e a reforma da previdência será criado um clima favorável à retomada dos investimentos, resultando no início da reativação da economia e, consequentemente, do mercado de trabalho. Mesmo a liberação das contas inativas do FGTS, poderá ter um efeito sobre o consumo menor que o esperado. A capacidade ociosa da economia é muito elevada e tanto empresas quanto consumidores estão bastante endividados, com alto nível de inadimplência. Além disso, a taxa de juros ainda permanece muito alta e a queda da Selic está vindo a conta-gotas. Para piorar, a crise política é profunda e não para de aumentar com novos escândalos. Em outras palavras, a conjuntura está muito desfavorável para uma verdadeira retomada da economia.

Tendo em vista a importância dos gastos públicos na economia brasileira, seu congelamento em termos reais nos próximos anos deverá dificultar em vez de facilitar a retomada do crescimento. Embora o mercado tenha começado a reajustar favoravelmente suas expectativas para o crescimento econômico de 2017, o caminho deverá ser muito longo.

As perspectivas para o mercado de trabalho em 2017 ainda são muito desfavoráveis. A queda da taxa de desemprego que usualmente ocorre no segundo semestre de cada ano não ocorreu em 2016. Ela tem crescido pouco nos últimos meses, em parte por conta do desalento daqueles que não conseguem se empregar e se retiram do mercado de trabalho. O rendimento médio dos trabalhadores parece ter se estabilizado por conta da queda da inflação. Mas a população ocupada continua diminuindo.

Como vimos no início do artigo, o mercado de trabalho reage defasado em relação ao comportamento da economia. Caso haja crescimento econômico em 2017, ele deverá ser muito pequeno; incapaz, portanto, de ter efeitos significativos sobre a geração de empregos. Assim, o país ainda terá que esperar muito tempo para experimentar um retorno ao que ocorria no mercado de trabalho no período 2004/2014, quando houve um círculo virtuoso de geração de emprego e renda, queda do desemprego e redução da informalidade.

Embora a queda vertiginosa do mercado de trabalho tenha ficado para trás, o mais provável é que ele se comporte nos próximos meses como vinha se comportando na segunda metade de 2016, sem geração de novos empregos e com o desemprego, a renda e a informalidade mantendo-se relativamente estáveis em níveis próximos aos atuais. A retomada do mercado de trabalho será lenta e longa.

João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia (IE) da UFRJ. Originalmente publicado no Valor Econômico em 7/12/2016 , o artigo foi atualizadoxa0para o Conexão UFRJ.