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Doramas: séries asiáticas viram “febre” no Brasil 

Com as mudanças nos hábitos de consumo, pesquisadores da UFRJ formam grupo para investigar as transformações da teledramaturgia

Nos últimos anos, o consumo de doramas, séries asiáticas produzidas principalmente na Coreia do Sul, deixou de ser um nicho para se consolidar como um fenômeno cultural global. As produções conquistaram o público internacional com tramas que combinam romance, fantasia, suspense e ação. O crescente interesse por produtos ligados à cultura asiática reflete um movimento mais amplo: a expansão da Hallyu, ou “onda coreana”, termo que define a disseminação da cultura pop coreana, impulsionada também por fenômenos como o K-pop, os reality shows, a gastronomia e os cosméticos. Todos esses elementos têm ganhado destaque em meio às transformações do audiovisual contemporâneo e à consolidação das plataformas de streaming.

A tendência tem chamado a atenção de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que buscam compreender como o público brasileiro se relaciona com as novas formas de teledramaturgia surgidas a partir da popularização do streaming e da crescente integração entre culturas. Especialistas apontam que o sucesso dos doramas indica não apenas uma mudança nos hábitos de consumo, mas também um retorno ao apelo emocional e às narrativas clássicas que moldaram a teledramaturgia brasileira.

Vinculado à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Núcleo de Estudos em Teledramaturgia (Neta) reúne estudantes e pesquisadores de diferentes instituições que analisam o impacto das novas produções audiovisuais no comportamento do público. Embora o grupo não tenha sido criado com foco específico nos doramas, o fenômeno ganhou destaque nas pesquisas e passou a ser considerado um campo relevante para compreender os rumos das narrativas televisivas no Brasil.  “O dorama resgata o essencial da telenovela, que é o melodrama, o drama em excesso. Com o tempo, fomos nos afastando disso. O público, no pós-pandemia, começou a consumir mais do que já se sentia confortável em assistir. O dorama resgata o que fazíamos de melhor antigamente”, explica Diego Oliveira, graduando em Letras (Português/Literatura) e um dos coordenadores do Neta.

Era do streaming 

O melodrama, que há décadas estrutura a telenovela brasileira, ganha novos contornos nas produções asiáticas. Para os pesquisadores do Neta, os doramas representam uma espécie de “junção entre o novo e o velho”: mantêm a essência emocional e romântica que sempre encantou o público, mas se adaptam às dinâmicas do consumo digital. Com episódios curtos, temporadas únicas e narrativas que equilibram nostalgia e modernidade, essas séries conquistam diferentes gerações, dos jovens espectadores às famílias que se reúnem para assistir juntas. “Ao longo da história da teledramaturgia no Brasil, passamos por muitos momentos de revisão estética. Acho que o último grande momento foi no final dos anos 1990. E agora estamos passando por outro. Antes era muito difícil consumir produtos da Ásia, mas isso mudou com o streaming. Depois da pandemia, esse acesso aumentou e transformou completamente a forma como o público se relaciona com o melodrama”, , afirma Marcelo Augusto Lopes, pesquisador e doutorando em Letras da UFRJ, um dos coordenadores do Neta. 

De acordo com os pesquisadores, essa transformação não se restringe ao aspecto técnico, mas também reflete o retorno do público à emoção, ao desejo de reconexão com narrativas mais sentimentais e menos violentas, em contraste com o naturalismo e o foco em temas urbanos das telenovelas recentes. Nesse contexto, o dorama se apresenta como uma alternativa que combina delicadeza, humor e afeto, oferecendo ao espectador uma experiência mais leve e imersiva.

O olhar da pesquisa 

Criado em 2023, o Núcleo de Estudos em Teledramaturgia (Neta) rapidamente se consolidou como um espaço de pesquisa e formação na UFRJ. Em menos de um ano, o grupo, que começou com poucos participantes, já conta com cerca de 40 integrantes, entre estudantes de graduação, pós-graduação e pesquisadores de outras universidades. As atividades incluem cursos, eventos e acompanhamento de projetos acadêmicos voltados ao estudo de novelas, séries e outras formas narrativas. 

“Nosso objetivo é mostrar que a teledramaturgia é um campo legítimo de pesquisa, tão importante quanto qualquer outro dentro dos estudos literários”, destaca Marcelo, coordenador do projeto. 

O grupo está em processo de se tornar um projeto de extensão, o que deve ampliar a participação de alunos da graduação, oferecendo a possibilidade de cumprir horas de  extensão voltadas a atividades de pesquisa.

As reuniões do Neta ocorrem de forma híbrida, e os membros desenvolvem investigações que vão desde adaptações de obras literárias até o papel das emoções nas tramas televisivas. O núcleo também vem promovendo debates sobre a revisão estética da novela brasileira, relacionando-a a fenômenos internacionais, como as produções turcas e coreanas.

Da Coreia ao Brasil

Embora a distância cultural entre Brasil e Coreia do Sul seja grande, há um elo que conecta as duas sociedades: o gosto pelo melodrama. Nos doramas, a intensidade emocional é central, mas é expressa de forma distinta da telenovela nacional. As cenas são mais contidas, os gestos mais sutis e o romance, frequentemente, idealizado.

Esse contraste, segundo os pesquisadores do grupo de estudos, desperta a curiosidade do público brasileiro, que reconhece nos doramas elementos de uma emoção universal, mas sob outra estética. As tramas são menos marcadas pela violência e pela sexualização, e mais voltadas à idealização do amor e à valorização dos laços familiares, características que também explicam o sucesso das novelas turcas no país.

O interesse crescente por essas produções revela, portanto, uma busca por narrativas mais afetivas e escapistas, especialmente após o isolamento da pandemia. Entre os espectadores brasileiros que se encantaram pelos doramas está Janine Barbosa, estudante de Letras (Português/Literatura) da UFRJ. A jovem começou a assistir às séries asiáticas em 2013, por influência de uma prima, e desde então se considera uma “dorameira” convicta:

“Os doramas se tornaram um lugar seguro para mim. Posso assistir em um dia ruim ou em um dia bom, porque há sempre um tipo de história que combina com o meu humor. Eles me prendem de um jeito diferente, com narrativas que vão do romance ao suspense.”

Além do entretenimento, Janine reconhece que esse contato despertou nela o interesse pela cultura coreana: “Conheci o K-pop, quis experimentar as comidas e aprender o idioma. É um universo envolvente”. A estudante também reflete sobre como os doramas moldam expectativas: “Quando comecei a assistir, achava que os homens coreanos eram exatamente como nas cenas. Depois percebi que idealizava uma realidade que não existe,  e isso acontece com muitas pessoas”, observa a jovem de 24 anos.

Entre a nostalgia e o futuro da teledramaturgia

A nostalgia na televisão brasileira tem se refletido no sucesso de remakes como Pantanal e Vale Tudo, além da retomada de títulos consagrados pelo público, como Êta Mundo Bom!, que retorna em uma nova versão intitulada Êta Mundo Melhor!. Recentemente, também foi anunciada a continuação de Avenida Brasil. Com a proposta de reavivar o imaginário coletivo em torno das narrativas que marcaram gerações e consolidaram o prestígio da teledramaturgia nacional, emissoras como a Rede Globo vêm apostando cada vez mais em remakes e reprises de seus grandes clássicos.

Na faixa da tarde, o sucesso das reprises comprova, pelos índices de audiência, a força da nostalgia. Nos últimos anos, novelas exibidas no Vale a Pena Ver de Novo, como Tieta, Por Amor, A viagem e Alma Gêmea, continuam a atrair o público e voltaram a repercutir nas redes sociais. De acordo com o jornal O Globo, a reapresentação de A Viagem elevou significativamente a audiência da faixa vespertina nos últimos meses. 

Para os pesquisadores da UFRJ, o sucesso dos doramas no Brasil vai além de uma simples tendência de consumo: trata-se de um reflexo das transformações emocionais e culturais do público. A estética asiática, com suas histórias centradas em afetos e dilemas pessoais, ajuda a explicar por que o melodrama continua sendo uma linguagem tão poderosa, mesmo em tempos de plataformas digitais. “Os doramas resgatam a essência da novela, mas reinterpretam o melodrama com delicadeza e com o ritmo das novas gerações. Talvez o público esteja buscando exatamente isto: um reencontro com o sentir, com a emoção, aquilo que a teledramaturgia sempre teve de mais humano”, resume Diego. 

Por: Ana Clara Ferreira e Pâmella Cordeiro