Em 2017, três pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se uniram para alavancar o estudo de meteoritos no Brasil. Maria Elizabeth Zucolotto (astrônoma, professora e curadora da coleção de meteoritos do Museu Nacional/UFRJ), Amanda Araújo Tosi (geóloga e técnica de laboratório do Instituto de Geologia da UFRJ) e Diana Paula de Pinho Andrade (astrônoma, professora e vice-diretora do Observatório do Valongo da UFRJ) criaram o grupo As Meteoríticas. A partir do tripé ensino, pesquisa e caça, elas são responsáveis por mais de 70% dos meteoritos oficializados no Brasil nos últimos quinze anos e contam com colaboradoras que auxiliam nas frentes de trabalho. Beth, Amanda e Diana lutam pelo reconhecimento da importância do estudo de meteoritos para a ciência e pela criação de políticas públicas no campo.
Beth Zucolotto caça e estuda meteoritos há mais de quarenta anos e, em 2017, convidou Amanda e Diana para irem a campo juntas no sertão da Bahia. “A Beth nos disse que, se queríamos mesmo ir a campo, aquele era o momento. O terreno era muito bom para procurar meteoritos porque não tem mato, é árido”, relembra Amanda. As duas pesquisadoras, que já sonhavam com a experiência, aceitaram o convite e, após quinze dias de viagem, o grupo As Meteoríticas surgiu. Beth, Amanda e Diana relatam que caçar meteoritos é como uma “corrida maluca” no mundo todo. A logística requer agilidade: assim que um meteorito cai na Terra, ele chama a atenção de caçadores com interesse comercial. Por isso, as pesquisadoras precisam ser rápidas para irem até o local e conseguirem uma amostra para estudar.
“A luta é em fazer com que as pessoas saibam o que é um meteorito, consigam identificá-lo e entendam como é importante para a ciência ter um pedacinho dele para fazer análises”, explica Diana. As pesquisadoras contam ainda que pessoas que encontram meteoritos geralmente têm medo de mostrar os fragmentos para elas, pois existe um imaginário de que o grupo irá pegá-los e que quem os encontrou irá perder a chance de vendê-los. “Tem toda essa problemática comercial que faz cada vez mais a gente querer buscar recursos para ampliar essa divulgação para a população”, conta a professora.
A importância dos meteoritos para a ciência
Os meteoritos ‒ fragmentos de corpos extraterrestres que sobrevivem à passagem pela atmosfera ‒ são importantes para estudar o sistema solar e responder a questionamentos científicos sobre o universo e o surgimento da vida na Terra. Existem três tipos básicos de meteoritos: rochosos, metálicos e mistos, que dão origem a 44 subtipos. Alguns desses fragmentos são como fósseis, que guardam informações físico-químicas do momento em que o sistema solar estava sendo formado, há 4,56 bilhões de anos. Dentro desse tipo, existem meteoritos que guardam todas as unidades básicas do DNA e RNA, como adenina e citosina, e que podem ter sido os responsáveis por trazerem os ingredientes necessários para o desenvolvimento da vida na Terra.
Existem também tipos de meteoritos que são pedaços de Marte ou da Lua, corpos que sofrem grandes impactos. Esses pedaços se soltam e um dia chegam até a Terra. “É a chance de estudarmos esses objetos sem precisar ir ao espaço. Até temos uma amostra retornada da Lua, mas de Marte, não”, explica Diana. Em 2020, em Minas Gerais, caiu um meteorito que ficou conhecido como Tiros, um importante exemplo de meteorito brasileiro. Ele é um fragmento do asteroide Vesta, o segundo maior asteroide do cinturão de asteroides, entre Marte e Júpiter, que sofreu um processo de diferenciação química similar ao da Terra e de Marte, sendo separado também em núcleo, manto e crosta.
No mundo inteiro, cerca de 70 mil meteoritos já foram encontrados e oficializados. Em 2009, Beth lançou o projeto “ET no seu quintal” para contar com a população na caça de meteoritos, explicando o que são e a sua importância, caso sejam encontrados. O projeto iniciou um trabalho de divulgação científica a nível nacional e elevou o número de meteoritos brasileiros de 39 para 45. Hoje, o país conta com 94 meteoritos brasileiros, e aproximadamente 38 deles foram oficializados pelas Meteoríticas. Diana explica que esse número ainda é muito baixo se levarmos em consideração a extensão territorial do Brasil. Por isso, o grupo continua na luta pelo reconhecimento da importância do estudo de meteoritos para a ciência, tanto por parte da população quanto por parte do Governo, a partir de divulgação científica.
Projeto Meteoritos Pé na Estrada
Durante mais de quarenta anos, Beth Zucolotto utilizou recursos próprios na maioria das vezes para financiar suas pesquisas sobre meteoritos devido à falta de aporte governamental. A realidade financeira seguiu assim mesmo com o surgimento das Meteoríticas, para que as pesquisas do grupo não fossem interrompidas. Em 2022, a professora conseguiu patrocínio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para tirar do papel o projeto “Meteoritos Pé na Estrada”, do qual é coordenadora. A proposta do projeto é a realização de divulgação científica, por meio de palestras e eventos, em 75 cidades ‒ 15 em cada região do Brasil. Ou seja, informar a população sobre a importância dos meteoritos e ensinar a reconhecê-los, desenvolvendo o olhar. “Assim, ao virem pedras diferentes, entrarão em contato com a gente. Portanto, a nossa ideia é aumentar o número de meteoritos através da população, que é quem os encontra”, diz Diana.

O projeto já passou pela maioria das cidades planejadas. Dez cidades da região Norte e algumas da região Centro-Oeste ainda não foram visitadas, além do município de Chuí, no Rio Grande do Sul, extremo-sul do país. “A gente falou que ia do Oiapoque ao Chuí. Já fomos ao Oiapoque, falta o Chuí. Então, a gente tem que ir”, brinca Diana. As pesquisadoras contam que o projeto está trazendo visibilidade para o grupo e para a divulgação dos meteoritos. Almejam, ainda, que, a partir dessa percepção, a classe política reconheça a necessidade de criação de uma lei que faça os meteoritos encontrados em território nacional chegarem até os pesquisadores.
Para facilitar o contato com o grupo, As Meteoríticas marcam presença extensiva na internet. Além do e-mail, possuem também um número de WhatsApp, pelo qual recebem fotos de possíveis meteoritos encontrados pelos cidadãos. Contam ainda com perfis no Instagram e YouTube, nos quais compartilham o trabalho do grupo. E, por fim, as pesquisadoras também estão ativas no seu site , por onde compartilham todas as informações necessárias sobre meteoritos. Inclusive, há um fluxograma detalhado de como identificar um meteorito.

Com a visibilidade alcançada, o grupo recebe diariamente amostras de possíveis meteoritos no laboratório. Depois de confirmado que a amostra é de fato um meteorito, são realizadas análises minuciosas em aparelhos como a microssonda eletrônica, equipamento de alta precisão, disponível em pouquíssimas unidades no Brasil e adquirido pelo Departamento de Geologia da UFRJ. Ao fim de todas as análises, o grupo prepara um resumo com a descrição do meteorito e a história de como foi encontrado e submete ao The Meteoritical Bulletin (tradução: O Boletim Meteorítico), da Meteoritical Society (tradução: Sociedade Meteorítica), organização internacional. Não há um prazo para o processo de submissão, que pode ser rápido ou lento. As pesquisadoras contam que já passaram por um processo de três anos para conseguirem oficializar um meteorito na organização.
Quando aprovado, o nome do meteorito aparece no Meteoritical Bulletin Database, junto com informações como onde caiu, a cidade, com a coordenada do local, quem achou, toda a história de como foi encontrado e quem o estudou.
Projeto de lei
No momento, As Meteoríticas estão na expectativa da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 4.471/2020, que busca regulamentar a propriedade e o registro de meteoritos encontrados no Brasil, com o objetivo de proteger o patrimônio científico e cultural do país, segundo dados da Câmara dos Deputados Federais. O projeto é do deputado federal Alex Santana, do Partido Democrático Trabalhista (PDT) da Bahia, e conta com pesquisa realizada pelo grupo de trabalho do qual as cientistas fazem parte. O projeto garante que o dono do terreno onde o meteorito cai tenha a propriedade dele, podendo ceder fragmentos para instituições científicas para pesquisa.
O grupo, coordenado pela Sociedade Brasileira de Geologia, por meio de sua diretora-presidenta, Elisa Rocha, conta com representantes de algumas instituições: Beth Zucolotto, do Museu Nacional/UFRJ; Diana Paula de Pinho Andrade, da Sociedade Astronômica Brasileira; Rodrigo Vesule, da Organização dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, entre outros componentes.
“Lá no início, existiam dois projetos de lei. Um deles era bem proibitivo e o outro permitia que quem encontrasse o meteorito fizesse o que quisesse com ele. Nenhum dos dois projetos era bom para a ciência. Então, nosso grupo de trabalho realizou o estudo e propôs a um dos deputados que alterasse o seu projeto, e ele aceitou”, relata Diana. Hoje, o PL já passou pela Comissão de Minas e Energia, pelo Conselho de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda votação na Câmara dos Deputados. “Não estamos encontrando nenhuma resistência”, concluem as pesquisadoras.
Por Julia Araújo. Sob a orientação da jornalista Vanessa Almeida.