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Pesquisa apresenta os impactos da desinformação na vida dos brasileiros

Análise feita pelo NetLab conecta academia, governo e sociedade civil no esforço de compreender e enfrentar o lado negativo das redes sociais no Brasil

Fruto de um projeto inédito desenvolvido no âmbito do Observatório da Indústria da Desinformação e seu impacto nas relações de consumo no Brasil, a obra Atingidos pelas redes sociais: os impactos da indústria da desinformação nos consumidores brasileiros reúne 33 pesquisadores e especialistas do NetLab UFRJ – laboratório de pesquisa da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade focado nos estudos de internet e redes sociais.

O laboratório foi fundado e é coordenado por Marie Santini, professora da ECO e referência internacional nos estudos sobre comunicação digital, regulação das plataformas e defesa do interesse público na internet. Foi sob sua liderança que a equipe multidisciplinar se debruçou sobre o fenômeno da desinformação, analisando desde a falta de transparência das big techs – as maiores e mais influentes empresas no mercado de tecnologia no mundo – até os novos padrões de golpes digitais que atingem milhões de brasileiros.

Marie Santini é fundadora do NetLab. Há 13 anos desenvolve pesquisas sobre a circulação da informação no digital | Foto: Acervo NetLab UFRJ

Débora Salles, doutora em Ciência da Informação pela UFRJ e pesquisadora de pós-doutorado do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict/ECO/UFRJ), é uma das autoras e organizadoras do livro. Representando os 33 pesquisadores que assinam o trabalho, Débora apontou para a importância de um esforço coletivo para compreender e enfrentar os impactos da indústria da desinformação no Brasil.

A pesquisa busca analisar como a indústria da desinformação não se limita apenas a notícias falsas, mas abrange um ecossistema complexo de fraudes financeiras e publicidade enganosa. Padrões sofisticados de golpes exploram grupos específicos, como idosos ou pessoas endividadas, fazendo com que elas se tornem alvo de crimes digitais. Além disso, existe uma grande dificuldade em acessar dados que levem aos criminosos. A falta de padronização e meios para acessar informações nas plataformas de redes sociais é frequentemente chamada de “apagão de dados”. 

Débora Salles destaca a necessidade de ação e colaboração das grandes plataformas para barrar esse tipo de crime: 

“Existe uma cultura de normalização feita por parte das plataformas, visando somente ao lucro. No fim das contas, quem lucra é tanto o criminoso quanto a própria plataforma. Elas conseguem saber tudo sobre a vida do usuário comum, mas dizem não ter condições de identificar e barrar a atuação de criminosos, o que mostra uma escolha deliberada em não investir na solução desse problema”, afirmou a pesquisadora.

Débora ressalta a urgência de um marco regulatório que equilibre a inovação tecnológica com a proteção do interesse público e dos direitos dos consumidores. No Brasil, a atuação nas redes sociais ainda é regida pelo Marco Civil da Internet (2014), que prevê a responsabilização das empresas em caso de descumprimento de ordem judicial que indique remoção de conteúdo, quando constatado algum tipo de dano a pessoas. Existem projetos de lei (PLs) e ações tramitando no Senado Federal e na Câmara dos Deputados Federais, mas, por enquanto, nada de concreto. A  União Europeia é um dos lugares que tem a regulamentação mais avançada no assunto, com a Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês), que estabelece medidas obrigatórias para grandes plataformas. Entre elas, relatórios de transparência e medidas de responsabilidade, nos quais as plataformas devem divulgar suas atividades e agir de forma mais eficiente contra discursos de ódio, notícias falsas, pornografia infantil e outros temas. 

Além disso, a lei ainda estabelece o fim da diferenciação entre anúncios políticos e não políticos e garante o acesso de dados por pesquisadores que atendam requisitos mínimos e estejam com suas pesquisas alinhadas ao interesse público. Tais medidas visam oferecer maior controle democrático e proteger direitos fundamentais das pessoas. 

Na Europa, já existem regulamentações mais rígidas sobre transparência de dados e responsabilidade das plataformas. No Brasil, ainda estamos num estágio inicial, em que o interesse público precisa ser fortalecido. Essa diferença mostra o quanto precisamos avançar para que o usuário brasileiro não fique à mercê da lógica puramente mercadológica dessas empresas, explicou Débora Salles.

Pioneirismo da UFRJ

O trabalho coloca a UFRJ como referência nacional e internacional no estudo das dinâmicas digitais e de seus impactos sociais. O NetLab, desde sua fundação, vem ocupando um espaço pioneiro ao unir comunicação, ciência da informação e tecnologia para monitorar fenômenos que antes passavam despercebidos pelo poder público e pela sociedade. Essa postura proativa permitiu à universidade antecipar debates que hoje são centrais, como a regulação das plataformas digitais e a proteção dos consumidores. Além disso, a iniciativa demonstra como a produção acadêmica da UFRJ vai além da teoria.  Débora defende que a composição da equipe foi um diferencial. 

“O NetLab conseguiu reunir um grupo diverso de pesquisadores porque existe um olhar atento da coordenação da Marie Santini, que considera o perfil, a disposição para o diálogo e a contribuição de cada um. Esse processo seletivo fez toda a diferença para que a pesquisa e o livro tivessem múltiplas perspectivas e um alcance mais amplo”, afirmou.

Grupo de pesquisa é multidisciplinar do NetLab UFRJ| Foto: Acervo NetLab

O perfil multidisciplinar dos pesquisadores têm sido fundamental para traduzir dados complexos em conhecimento acessível para a população, atuando em rede com organizações sociais e órgãos públicos. Esse compromisso reforça o papel da universidade como espaço de inovação e responsabilidade social, capaz de produzir diagnósticos estratégicos para enfrentar os desafios da era digital. Para Débora, a pesquisa deve, de alguma forma, se conectar com a vida prática, com o mercado e com o mundo. 

Pensar o mundo para pensar a pesquisa é fundamental. Foi importante encontrar uma interseção entre o mercado e a produção acadêmica, porque é isso que garante que a pesquisa e a obra dialoguem para além do espaço universitário. Esse livro não é apenas para pesquisadores: ele é essencial para qualquer pessoa que queira compreender os efeitos da desinformação na sociedade brasileira”, finalizou.

*Sob a supervisão da jornalista Vanessa Almeida