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Pelo Campus Sociedade

Ações afirmativas para além das cotas

Grupo de estudantes e professores pensa maneiras de expandir a inclusão na pós-graduação stricto sensu

Com a recente aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) receberam cortes de 300 e 79 milhões de reais, respectivamente. Atualmente, as bolsas direcionadas a estudantes de mestrado e doutorado das Instituições de Ensino Superior do país não abrangem todos os matriculados, fazendo com que o processo em busca de um título seja muitas vezes cansativo e preocupante, incluindo a alta demanda de entregas e de qualidade. 

Pesquisa publicada em 2021 pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostra que, entre as motivações para a evasão de alunos da pós-graduação stricto sensu, se destacavam a relação com o orientador, prazos, atividades e, ainda, questões de saúde mental como ansiedade e depressão. Diante desse cenário, que implicava questões financeiras e estruturais, um grupo de alunos e professores do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro se reuniu e instituiu o Núcleo e Apoio ao Discente (Nadi). 

Inicialmente como grupo de trabalho, o movimento começou a se desenvolver durante a pandemia, quando foi percebido que as aulas online não poderiam acontecer em virtude de muitos estudantes do instituto não terem acesso a internet e/ou equipamentos tecnológicos. Com as verbas dos laboratórios, isso foi resolvido coletivamente, mas outras questões permaneciam presentes. 

Com um espaço aberto de diálogo entre estudantes e professores, o núcleo passou a ser instrumento de conexão com o corpo discente, trazendo à tona temas como a falta de acolhimento para mães na pós-graduação e questões de saúde mental, amplificando também o fato de que o perfil social dos alunos era muito diverso e precisava de atenção. Em entrevista ao Conexão UFRJ, a professora do IBqM Juliana Camacho Pereira e os alunos Gustavo Diniz-Taveira e Tainan Guedes da Silva – que na época realizavam doutorado no instituto –  apresentaram a trajetória do período em que estiveram à frente do Nadi junto de outros três integrantes, em especial entre os anos 2020 e 2022. 

Gustavo Diniz-Taveira, Juliana Camacho Pereira e Tainan Guedes da Silva foram integrantes do Nadi. | Foto: Ana Marina Coutinho (SGCOM/UFRJ)

Um dos destaques foi a parceria estabelecida com a Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, que possibilitou o olhar mais cuidadoso para a realidade do corpo discente e o direcionamento de muitos dos estudantes para atendimento psicológico. Além disso, em 2021 o IBqM foi pioneiro na implementação das cotas para pessoas negras, indígenas e  com deficiência, aliando a isso a reserva de bolsas de estudo destinadas a esses grupos. O movimento abriu as portas para que, em 2022, o Conselho de Ensino para Graduados (Cepg) tornasse obrigatória essa reserva de vagas. 

“O nosso exemplo serviu para dizer para o Cepg que é possível. Então eu acho isso um feito muito importante nosso, porque a gente implementou o que foi como um exemplo para que a Câmara [de Políticas Raciais] pudesse conquistar essa cota na pós-graduação, que eu acho  muito interessante para a UFRJ toda e a sociedade no geral”, explica Juliana.

Além de pensar o acesso aos cursos, uma das principais propostas do Nadi era oferecer outras maneiras de inclusão e de ações afirmativas para garantir a permanência do corpo discente no programa. Entre elas, foram oferecidas palestras nas quais era possível enxergar outras possibilidades de atuação do corpo discente após conclusão dos estudos. Para Tainan, participar ativamente de todos os processos foi um diferencial. “A própria implementação das ações afirmativas foi um ensinamento gigantesco para mim, porque começou com uma ideia. A gente se propôs a cada um estudar um ponto, a gente debatia, chegava sempre num acordo. Não tinha uma votação, era um debate para que no final todo mundo chegasse junto num acordo”, comenta a atual pós-doutoranda do Instituto de Ciências Biomédicas.

Juliana, Tainan e Gustavo acabaram de ter um artigo publicado na revista científica O Social em Questão no qual apresentam o Nadi e seus desdobramentos que vão além das cotas. A proposta é que o núcleo possa funcionar como exemplo para outros programas de pós-graduação. “É pensar que as cotas precisam ser defendidas e ao mesmo tempo também ser repensadas não só para atrair esses jovens, mas para que essa minoria permaneça na universidade. A gente precisa de políticas que garantam que as pessoas terminem a sua formação”, conclui Gustavo.