Por Eduardo Cassar*
O Brasil está longe de preservar adequadamente seu território marinho. A conclusão é de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que, em artigo internacional com cientistas de quatro continentes e dez universidades, detectaram que apenas 12% do território marinho brasileiro é ecologicamente preservado. Em 2022, a Convenção Global da Biodiversidade da ONU, em Kunming-Montreal, definiu que os países devem proteger 30% de seu território marinho até 2030.
“Até 2015, a gente tinha menos de 2% das áreas marinhas protegidas no Brasil”, conta o pesquisador Rodrigo Tardin, coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (ECoMAR) e professor do Departamento de Ecologia da UFRJ. “No ano seguinte, foram criadas as áreas marinhas protegidas (AMPs) do arquipélago de São Pedro e São Paulo e da Ilha de Trindade. Esse número aumentou absurdamente: foi para 26,5%”, diz Tardin, que é um dos autores do artigo produzido em conjunto com outros cientistas do Instituto de Biologia da UFRJ.
De acordo com o estudo, publicado em agosto na Marine Policy, os 26,5% de área supostamente preservada referem-se, na verdade, ao tamanho das áreas protegidas, e não às medidas implementadas para impedir possíveis danos aos ecossistemas. “A partir da avaliação do nosso artigo, descobrimos que apenas 12% desse território é protegido. As áreas levantadas pelo governo permitem uma série de atividades extrativas que minimizam o potencial dos territórios de preservar o local”, explica o coordenador do ECoMAR.
Os oceanos correspondem a mais de 361 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a quase 70% de toda a superfície da Terra. A Convenção Global da Biodiversidade da ONU em Kunming-Montreal, em 2022, definiu que os países devem proteger 30% de seu território marinho em oito anos. O mecanismo encontrado foi a área marinha protegida (AMPs). São territórios desenhados para proteger determinadas espécies e características naturais do ambiente a partir da proibição de atividades poluentes. A lógica se assemelha ao que é feito com as reservas ambientais, só que em mar aberto.
Um grupo internacional de pesquisadores de diversos países vêm tentando encontrar formas de avaliar corretamente as AMPs. Duas autoras líderes desse projeto, Jenna Sullivan-Stack e Kristen Grorud-Colvert, da Oregon State University, lançaram uma plataforma inédita para avaliar as AMPs em nível mundial chamada O Guia das AMPs. A plataforma fornece dados ao usuário que permite um diagnóstico rápido e preciso do nível de implementação das unidades de conservação marinha. O site privilegia não só o tamanho dessas áreas, mas quais atividades extrativistas são permitidas nesses locais e os benefícios dessa proteção para o ambiente protegido.
A iniciativa motivou a produção do artigo As avaliações dos resultados esperados das AMP podem informar e melhorar a conservação da biodiversidade: estudos de caso usando o Guia das AMP. Em agosto, veio a publicação na Marine Policy, que figura entre as 20 maiores revistas sobre ciências biológicas. Destaca-se na pesquisa a importância dos mecanismos presentes no guia para cumprir fielmente a meta de 30%, sem inflar seus números. “Focamos em iniciativas que incentivem novos grupos de pesquisas e os governos a usarem essa plataforma. O foco disso tudo é avaliar o quanto as AMPs no mundo são realmente efetivas”, afirma Tardin.
Diante de uma crise climática grave, a gestão inteligente pode gerar inovações. Pensar a proteção desses locais será peça-chave na adaptação de uma nova realidade climática. Para o professor, o cenário é preocupante: “Vemos que a maioria das AMPs não estão estabelecendo metas para mitigar e monitorar as mudanças climáticas. Isso não quer dizer que não há nada a se fazer, existe a mitigação e a adaptação. Por exemplo, o reflorestamento de manguezais para evitar o aumento do nível do mar”.
Nessa corrida, a UFRJ sai na frente. A Universidade está entre as cinco instituições da América Latina com a maior média de artigos que envolvem biodiversidade. O continente também lidera a produção desse tema, com uma recorrência três vezes acima da média global. Para Rodrigo Tardin, isso reafirma o compromisso que a universidade precisa ter para tomar a frente das decisões multilaterais que definirão o futuro do planeta. “Somos líderes na produção de conhecimento científico sobre a crise climática, biodiversidade, áreas marinhas ou terrestres. Nós já temos um papel de protagonismo a partir da produção de conhecimentos muito importantes para esse debate”, finaliza o pesquisador.
*Bolsista da SGCOM