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A Faculdade Nacional de Direito como um patrimônio histórico e cultural 

O prédio carrega em si memórias, lutas estudantis e grande importância para o ensino jurídico do país

Quem passa pelo entorno da Praça da República, no Centro do Rio de Janeiro, dificilmente não presta atenção ao edifício da Faculdade Nacional de Direito (FND) da UFRJ. Com 5.185 m2, os traços clássicos do século XX estão presentes na estrutura das janelas, portas e com o coroamento de platibanda, muro que emoldura a parte superior do prédio. A FND nem sempre teve esse nome. Em 1920, ocorreu uma fusão entre duas faculdades criadas em 1891: a Livre de Ciências Jurídicas e Sociais e a Livre de Direito da Capital Federal. As mudanças arquitetônicas, como o tamanho do prédio e os diferentes nomes escritos em suas placas, construíram a história da FND. Essas transformações aconteceram ao longo do tempo para abrigar seus diversos usos: residência dos últimos dois vice-reis do Brasil; Dom Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos; Senado Imperial; Senado Federal; repartições públicas e a Faculdade Nacional de Direito. 

O prédio foi considerado um patrimônio histórico e cultural após ser tombado, em 1988. Para o atual diretor, Carlos Bolonha, um dos principais motivos para o seu tombamento são os grandes nomes que já passaram por lá: “É um patrimônio imaterial dos grandes literatos, educadores e pensadores que saíram dessa faculdade, e eu diria até que o espírito desses personagens fabulosos da nossa história ainda permanece aqui. Então nós somos um palco onde Clarice Lispector e Vinícius de Moraes se formaram. Na verdade, essa escola é uma escola imortal”. Hoje, de acordo com o Ranking Universitário Folha 2024 (RUF), que avaliou diversos cursos de Direito do país, a FND é a quarta na lista das melhores instituições de ensino jurídico do país. 

A biblioteca como uma forma de memória

Além das aulas oferecidas no prédio, ele também conta com uma biblioteca, aberta a toda a sociedade, não apenas aos alunos do curso de Direito. A Biblioteca Carvalho de Mendonça, localizada na FND, carrega em si mais de 115 anos de trajetória do Direito no país e possui obras raras, como as de Rui Barbosa, e algumas ainda mais antigas, do século XVI. As bibliotecas universitárias têm um papel essencial para a pesquisa, além de serem espaços de acervo da história de documentos do passado e do presente. Antonio de Oliveira, diretor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (Facc/UFRJ), destacou a importância das bibliotecas para a construção de uma memória social ao dizer que a memória não é apenas uma recordação do passado, mas um elemento ativo na construção da identidade. Para ele, ela ajuda a dar continuidade à instituição, proporcionando uma base sobre a qual a identidade é construída. 

O espaço oferece não apenas livros, mas também arquivos que resguardam grande parte da história, e é uma forma de manter ativo o conhecimento e a formação do senso crítico dos estudantes. Para Marcio Capella, arquivista do Núcleo de Documentação e Memória Arquivística da FND, os registros manuscritos narram a história da faculdade, história que estava praticamente perdida. Ele também relatou como, ao reorganizar o acervo histórico, ajudou a resgatar a memória que estava esquecida, já que esses registros revelam a evolução do curso jurídico por meio das leis de ensino. Portanto, as mudanças arquitetônicas da faculdade e a criação de um acervo reúnem diversas memórias individuais e coletivas dos que ali passaram. 

Biblioteca Carvalho de Mendonça em 1950. Reprodução: Arquivo Nacional/UFRJ
Biblioteca Carvalho de Mendonça em 2024. 
Foto: Fábio Caffé (SGCOM/UFRJ)

O  Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco) e as mobilizações estudantis


O prédio da FND teve um papel de destaque durante a ditadura militar, período de intensa repressão que o Brasil viveu. Serviu como refúgio de militantes perseguidos pela polícia e teve participação intensa nas manifestações, até o cerco pelos militares em 31 de março de 1964. Lá foi fundado o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco), uma criação dos alunos da FND, hoje com 108 anos de resistência política e lutas estudantis. Para Renan Charnoski, diretor do Caco, a  busca pela democratização do acesso à universidade pública e também para um Brasil com justiça social é o que rege a nossa atuação desde a nossa fundação até os dias atuais e reflete os objetivos do Centro Acadêmico. 

As principais campanhas foram a da mobilização para a criação do campus universitário da então Universidade do Brasil (1956), atual UFRJ, e a da luta pela redemocratização do país após a Segunda Guerra Mundial (1945). Carlos Bolonha aponta como o prédio tem um passado essencial na construção do país: “A faculdade sempre teve egressos muito ativos no processo político, jurídico, econômico e social de todo o Brasil, ou seja, muito da discussão sobre os caminhos políticos brasileiros passou por aqui. Esse espaço integrou parte do processo de transformação política brasileira, especialmente no período militar, no período da repressão. Ele teve um papel muito importante na história do direito brasileiro”. A união dos estudantes em prol de um bem comum não é recente na FND.

Lutas estudantis do Caco em jornais | Foto: Fábio Caffé(SGCOM/UFRJ)

Criada em 1920, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) traz, em seus diferentes campos, memórias, nomes importantes e história para a cultura brasileira. A Faculdade Nacional de Direito é uma das escolas mais tradicionais do país: tem mais de 130 anos e, antes mesmo da criação da UFRJ, já vinha lutando pela educação. Antonio de Oliveira destacou o papel social das universidades e das bibliotecas: “A função delas é ampla e essencial para o desenvolvimento social, econômico, cultural e intelectual de uma sociedade. Ambas desempenham papéis fundamentais não apenas no ensino e na pesquisa acadêmica, mas também no fortalecimento da cidadania, da democracia e da inclusão social”. Isso comprova a importância de manter viva a história da FND para o desenvolvimento de novas memórias e de uma sociedade mais democrática.

Por Maria Rita Nader