Marquei uma entrevista com a professora e atual diretora da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ, Katya Gualter. O objetivo era falar sobre o Grupo de Pesquisa Ancestralidades em Rede (GrupAR), liderado por ela e pela professora Ângela Bretas. Pensei que estariam apenas as duas, mas, chegando ao gabinete, qual não foi a minha surpresa ao ser recebida por um grupo de seis pessoas. É sempre diferente entrevistar uma pessoa, duas ou seis. A preparação muda. “Aqui no GrupAR tudo é coletivo”, explicou Katya. Entendi que o trabalho de traduzir o grupo em palavras já começava dali.
Não foi fácil começar este texto, no entanto. Por várias vezes digitando e apagando linhas que buscam falar de uma pesquisa sobre um corpo preto. Ou melhor, sobre corpos pretos e suas diversidades. Não era uma reportagem que eu pretendia que saísse em primeira pessoa, mas que só se permitiu ganhar forma após imprimir o meu olhar.
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Desde 2014, um coletivo de professores da EEFD começou a se reunir e a confabular um sonho: ter um grupo de pesquisa que conseguisse reunir os saberes e fazeres tradicionais junto às pesquisas realizadas dentro da Universidade com foco nas corporeidades pretas. O que os unia era o fato de estarem todos no mesmo ambiente: o curso de Dança da faculdade. Naquele momento, no entanto, o sonho teria que esperar. Afinal, as mentes idealizadoras estavam desenvolvendo outros projetos pessoais e fortalecendo seus currículos.
Era o caso de Ângela Bretas com sua pesquisa sobre educação física escolar; Katya Gualter liderando o grupo Pesquisa em Cinema e Dança (Pecdan); Xandy Carvalho à frente do Projeto em Africanidade na Dança Educação (Pade); e Lola Gabriel com seus trabalhos junto à Companhia Folclórica. Esses eram alguns dos nomes já presentes nesse início. O tempo passou, mas o desejo, não. Assim, no final de 2018, aquele movimento de quatro anos antes pôde se expandir e se oficializar a partir da reunião de representantes de diferentes instituições e disciplinas.
Hoje, estabelecido como grupo de pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e com 16 instituições sendo representadas por mais de 40 integrantes, o GrupAR vem desenvolvendo encontros sistemáticos e ações que buscam partilhas e trocas de saberes em diferentes ambientes de pesquisa acadêmica com foco em corpos marginalizados. Entre universidades, como a própria UFRJ, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), e espaços de cultura, como a Casa do Jongo e a Casa da Arte e Folia do Recife, estão representantes de culturas tradicionais de todo o Brasil.
Aprendendo com os mestres
Entre as muitas ações realizadas pelo GrupAR, destacam-se aquelas que trazem os saberes tradicionais para dentro da UFRJ, a partir das quais se pode aprender com mestres que não necessariamente têm este título por meio da academia. É o caso do mestre Manoel Dionísio, já conhecido desta coluna desde a sua primeira edição. Nome essencial do carnaval, ele tem uma escola na qual ensina movimentos de mestre-sala e porta-bandeira e foi esse saber, entre outros, que o trouxeram para a Universidade junto ao GrupAr.
Além de liderar residência artística na UFRJ dentro das ações do grupo, ele também pode partilhar a roda com outro grande mestre: o professor, pesquisador, dançarino e coreógrafo Clyde Morgan. Em parceria com a UFBA, em junho deste ano, o GrupAr realizou, ao longo de uma semana, o evento Corporeidades Negras em Trânsito, que incluiu uma residência artística, oficinas, rodas de conversas e lançamentos de livros na cidade de Salvador. Junto aos dois mestres, também participaram outros nomes, como o mestre Emerson Dias, com uma oficina sobre danças tradicionais de Pernambuco.
Na ocasião, também foi lançado o livro do professor Xandy Carvalho Meu Corpo Terreiro − uma performance dançada na memória pela Pedagogia do Encontro, no Espaço Cultural Vovó Conceição, no tradicional terreiro Casa Branca do Engenho Velho. Para o pesquisador, a importância do coletivo reside na possibilidade de expansão que vem a partir da colaboração. “Quando a gente consegue se juntar, vamos fortalecendo os nossos fazeres e a nossa capacidade de ação: a gente amplia. Não é o Xandy, é o Pade, é o GrupAR.”
Reconhecimento
Não seria possível colocar em algumas laudas de uma reportagem todas as pessoas que passaram pelo GrupAR e as ações que o coletivo vem realizando. No entanto, o reconhecimento já tem marcado presença neste processo. Em agosto deste ano, o I Prêmio Danças Negras 2023 agraciou o projeto como um dos mais relevantes no desenvolvimento de ações interinstitucionais, agregando 16 entidades de vários estados brasileiros, formais e não formais de ensino, arte e cultura, em torno do tema “Corporeidades Pretas em Trânsito: partilhas de saberes”.
A edição 2023 do prêmio foi resultado de parcerias do Coletivo Negração com a Secretaria Municipal de Cultura/RJ, Sindicato dos Profissionais de Dança do Rio de Janeiro (SPDRJ), Efeito Urbano, Escola Carioca de Danças Negras (Escadan), e as vereadoras Thais Ferreira (Mãe Data), Tainá de Paula e Monica Benício.
Para Ângela Bretas, todo esse movimento que abre espaço para ações como a do coletivo está relacionado a uma conjuntura de mudança que extrapola a Universidade. “É muito bom pensar que o GrupAR está ligado a um movimento de ações afirmativas, visibilidade do povo preto e de outros corpos circulando. É um contexto que permite essa mudança. Cria um movimento político de aquilombamento. Estamos fazendo história.”
Além disso, Katya ressaltou que todas as ações práticas que são realizadas são publicadas posteriormente como artigos e/ou ensaios em revistas científicas, a fim de fortalecer a pesquisa acadêmica na área. Para 2024, uma das principais propostas é criar um polo da Escola do Mestre Manoel Dionísio na UFRJ e, além disso, expandir o projeto Corporeidades Pretas em Trânsito. “Hoje temos uma capilaridade que não tínhamos em 2019 e estamos construindo espaços de encontro e de contágios”, concluiu a pesquisadora.
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Foram quase duas horas de conversa que me fizeram ir embora já escolhendo fazer parte do grupo também. Entendi que o Grupo de Pesquisa Ancestralidades em Rede (GrupAR) é um coletivo difícil de definir porque extrapola as noções tradicionais de o que é pesquisa e de como ela pode ser realizada. Um grupo que traz a prática para a academia e que pesquisa o corpo a partir do próprio corpo e de redes ancestrais. E, assim, vim seguindo os fios para chegar às respostas.