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Editora UFRJ lança livro sobre as mudanças sociais contemporâneas

O que pensamos do presente traz debates ligados ao feminismo, ao antirracismo e à sexualidade

O tempo passa e a sociedade muda. Racismo, LGBTQIAPN+fobia e sexismo, que eram completamente aceitos no passado, hoje, cada vez mais, tendem a não ser tolerados. Comportamentos sociais enraizados entram em conflito com novas dinâmicas de se relacionar com o outro. No presente, mudanças profundas estão acontecendo e é preciso refletir sobre assuntos referentes à cultura, política, literatura, vida nas cidades e, especialmente, a questões de gênero e raça.

Por isso, a Editora UFRJ lançará hoje, 18/8, o livro O que pensamos do presente, que reúne artigos e entrevistas com múltiplas visões sobre temas contemporâneos e urgentes para ultrapassar o passado. A publicação se baseia em textos recentes da Revista Z Cultural, do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Faculdade de Letras (FL/UFRJ), e conta com colaboração de Carolina Correia dos Santos, Augusto Guimaraens Cavalcanti e Heloisa Teixeira, professora emérita da Universidade e eleita para a cadeira 30 da Academia Brasileira de Letras (ABL) em abril. O lançamento será às 19h na Janela Livraria, localizada na Rua Maria Angélica, n° 171, no bairro Jardim Botânico.

O livro, organizado por Beatriz Resende e Lucas Bandeira, reúne doze artigos com reflexões, interrogações, angústias e preocupações teóricas dos colaboradores da revista. Os textos passeiam por temas como ocupação da cidade, feminismo, sexualidade, representatividade negra e autobiografias na literatura. Além disso, duas entrevistas estão presentes na obra: uma com o escritor Jeferson Tenório, autor de O avesso da pele (Prêmio Jabuti de melhor romance em 2021), e a outra com a poeta Angélica Freitas, uma das principais autoras da poesia contemporânea, sobre seu livro Canções de atormentar, de 2020.

Para conhecermos mais sobre O que pensamos do presente, o Conexão UFRJ conversou com Lucas Bandeira, um dos organizadores da obra, como citado acima, e editor-executivo da Revista Z Cultural. Confira a entrevista completa a seguir:

Conexão UFRJ: Qual a importância da Revista Z?

Lucas Bandeira: A Revista Z Cultural existe desde a criação, em 1994, do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc), que hoje funciona como uma linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ. Em suas diversas fases, o Pacc sempre se propôs a ser um programa interdisciplinar, postura que herda dos Estudos Culturais, que pensam cultura não como um conjunto de agentes e obras estanques, mas como práticas sociais variadas que se entrecruzam de maneira heterogênea e contraditória. Acredito que a revista tenta traduzir essa visão de cultura, funcionando como uma plataforma de cruzamento de ideias vindas de disciplinas e campos diversos. E, o que é importante, que vêm de dentro e de fora da academia.

Conexão UFRJ: O que a equipe da Revista Z pensa sobre o presente?

Lucas Bandeira: Não creio que a equipe e os colaboradores pensem algo único sobre o presente, embora tenham uma postura mais ou menos comum: a ideia de que, por mais difícil que seja, o presente deve ser estudado, seja em que área estejamos atuando (literatura, antropologia, cinema, artes plásticas etc.). Como é um tempo fugidio, seu estudo tem menos garantias, é contingente e participativo. Dito de outro modo, embora fale mais por mim, como sugiro na apresentação do livro, o presente é um tempo que deve ser estudado para avaliarmos os projetos em que nos engajamos coletivamente enquanto pesquisadores, professores, pensadores, críticos, artistas, escritores e cidadãos.

Conexão UFRJ: De todos os artigos e entrevistas já publicados, por que selecionar apenas alguns presentes nos últimos cinco números da Revista Z Cultural?

Lucas Bandeira: Adotamos três critérios principais. Primeiro, o critério da atualidade. Os últimos cinco anos foram vividos por todos nós intensamente, principalmente depois do aparecimento da covid-19, e queríamos textos que, de alguma forma, estivessem carregados dessa urgência. O segundo critério foi tentar contemplar as principais discussões que acabaram aparecendo tanto nas pesquisas do Pacc quanto nos artigos que recebemos dos colaboradores. Por fim, priorizamos os colaboradores mais constantes da revista.

Conexão UFRJ: Os textos selecionados trazem quais assuntos e reflexões à tona?

Lucas Bandeira: Complementando a resposta anterior, os principais temas que surgiram foram os feminismos e as questões de gênero, a permanência do racismo e o antirracismo, além de uma nova literatura em primeira pessoa, principalmente de autoria feminina. Além disso, a pandemia nos fez discutir a vida nas cidades.

Conexão UFRJ: Como o tema “cidade” é explorado nos artigos selecionados?

Lucas Bandeira: A relativa pausa produzida pela epidemia da covid-19 levou vários pensadores a revisitar a questão da cidade. Afinal, como afirma Ettore Finazzi-Agrò em seu artigo que publicamos, a cidade sempre significou “viver com os outros”, coexistência em que agem mecanismos de inclusão e exclusão, ligados, entre outras coisas, a distanciamentos de classe. Com a pandemia, um perigo que não parecia, em um primeiro momento, discriminar as vítimas, acreditou-se que essas distinções desapareciam. Mas, pelo contrário, a pandemia nos lembrou de que há “aqueles que não têm casa e que, sendo ‘sem-teto’, aparentam não pertencer (e, de fato, não pertencem) ao dêmos“. Essa reflexão de Ettore Finazzi-Agrò, de certa forma, é respondida pelo artigo de Luiz Eduardo Soares, que propõe, a partir da experiência da pandemia, em que o sentido de urgência que sentimos com a imagem da “falta de ar” produziu casos de solidariedade e ativismo, uma nova ética. Devíamos redefinir nossas prioridades para que todos na cidade possam respirar, não apenas quando uma doença aflige a sociedade como um todo, mas agora, depois da pandemia.

Conexão UFRJ: Como acontecem as interseções entre poética e sexualidade nos artigos?

Lucas Bandeira: As questões de gênero e sexualidade, assim como as questões raciais, estão definitivamente presentes não apenas na criação artística, como também na produção crítica da atualidade. É possível observar que um movimento intenso de transformação vem ocorrendo nos últimos anos, caminhamos para um lugar de expressão privilegiada de uma subjetividade em dissidência. Para exemplificar, podemos pegar o caso da poesia, contemplada principalmente na entrevista que fizemos com Angélica Freitas. Há uma grande produção, de grande qualidade, de poetas contemporâneas que permite que nós, críticos, identifiquemos uma articulação entre o individual e o coletivo muito importante. No caso das poetas mulheres, como afirma Heloisa Teixeira, curadora da Revista Z, no prefácio de As 29 poetas hoje, é uma poesia que “se faz em coro, em ressonâncias”, em que há um éthos comum e uma dor comum.

Conexão UFRJ: Qual a importância de tratar sobre diversidade sexual e de gênero?

Lucas Bandeira: Os feminismos e os debates oriundos dele, como os de gênero e sexualidade, vêm contribuindo de forma significativa para levantar questões coloniais e questionar as estruturas patriarcais presentes na sociedade brasileira. Além disso, diante dos retrocessos a que assistimos nos últimos anos, torna-se ainda mais relevante abordar e trazer para a academia pautas sociais, como maternidade, assédio, prostituição e corpos divergentes, além de novas formas de representação que desafiam as relações de poder.

Conexão UFRJ: Por que falar sobre negritude, relações étnico-raciais no Brasil e a literatura?

Lucas Bandeira: Essas são questões imperativas hoje, quando finalmente encaramos nosso passado escravista e os dispositivos de manutenção do racismo, que Julio Cesar de Tavares, em seu artigo, chama de “apartaide”, aportuguesando o termo que denomina o regime racial que vigorou na África do Sul. E relacionamos essa questão com a literatura porque nos parece que esse é um campo que, recentemente, tem abordado esses debates de maneira complexa e, mais do que isso, tem levado essa discussão para o público geral, como vemos na recepção de livros como O avesso da pele, de Jeferson Tenório, e Torto arado, de Itamar Vieira Junior.

Lucas Bandeira é editor-executivo da Revista Z Cultural e faz pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc/Letras/UFRJ). É um dos autores de Mapas, rotas, cartas: uma história urbana do Rio de Janeiro em imagens (1762-1965).

Beatriz Resende é editora da Revista Z Cultural, professora titular da Faculdade de Letras da UFRJ, autora de Contemporâneos: expressões da literatura brasileira no século XXI e de Lima Barreto e o Rio de Janeiro em fragmentos, entre outros.

*Sob supervisão da jornalista Vanessa Almeida