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Editora UFRJ lança amanhã livro com cartas inéditas de Hélio Oiticica

Correspondências revelam conversas com amigos sobre projetos do importante artista plástico brasileiro

Multifacetado, provocador, experimentador. Essas são algumas características de Hélio Oiticica, considerado um dos maiores artistas plásticos da história da arte brasileira. Oiticica ganhou reconhecimento nacional e internacional com suas esculturas, pinturas e manifestações culturais. Em suas obras, provocava o público a refletir sobre comportamentos, com uma dimensão ética, social e política conectada a questões sociais do seu tempo, aproximando vida e arte. 

Mais de quarenta anos depois de sua morte, Hélio Oiticica tem um grande legado, que a partir de agora se expande com o novo livro da Editora UFRJ: Hélio Oiticica: cartas 1962-1970, idealizado por Cesar Oiticica Filho, sobrinho do artista, e organizado por Tania Rivera, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF). O lançamento da publicação acontecerá amanhã, 15/7, às 15h, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, na rua Luís de Camões, nº 68, Centro. A edição da obra foi feita em parceria com alunos da instituição, por meio do Laboratório de Produção Editorial da Editora UFRJ.

O livro traz conversas com personalidades relevantes no cenário artístico, como Lygia Pape, Lygia Clark, Antonio Dias, Rubens Gerchman, Amilcar de Castro, Ivan Cardoso, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nas cartas, Hélio Oiticica usa uma linguagem única que reconstrói o contexto da época, seus bastidores e a essência das criações do artista. Além disso, incentiva um trabalho coletivo de criação da arte no Brasil. Uma das instalações de Oiticica, Tropicália, de 1969, influenciou Veloso e Gil na  criação do movimento homônimo. A obra era composta por um labirinto com elementos culturais do Brasil, uma televisão ligada e poemas-objeto (que brincam com as palavras no espaço).

Para entendermos mais sobre a publicação, o Conexão UFRJ conversou com a organizadora das cartas, Tania Rivera. Confira a entrevista a seguir:

Conexão UFRJ: Como foi feita a curadoria das cartas?

Tania: Hélio Oiticica tinha plena consciência de sua importância como artista, desde muito cedo fazia cópias das cartas que enviava. Seu acervo conta com centenas de cartas para diversos destinatários, como críticos, curadores, outros artistas e amigos. O livro que estamos lançando no dia 15 é uma seleção de correspondências que contêm informações, reflexões e relatos mais contundentes e importantes dentre as enviadas na década de 1960. A primeira carta é a mais antiga do acervo, de 1962. Um segundo volume será realizado no futuro com as cartas escritas de 1970, a partir do momento em que ele chega a Nova Iorque, até a sua morte, em 1980.

Conexão UFRJ: Podemos ler as cartas como crônicas?

Tania: As cartas de Hélio Oiticica mesclam arte e vida de modo extremamente vívido e interessante e, por isso, muitas delas podem ser lidas como crônicas de uma época. Elas marcam especialmente o fim da década de 1960, com o ambiente de contracultura que Oiticica ajuda a construir no Brasil, mas também os anos seguintes até 1969, quando o artista passa uma temporada em Londres.

Conexão UFRJ: Como arte e política se relacionam na obra de Hélio Oiticica?

Tania: As propostas participativas de Hélio Oiticica vão além dos slogans da contracultura. Estão em voga pela densidade filosófica e articulação ético-política que fazem dela uma verdadeira força de resistência em face da desigualdade social, do racismo e da repressão da ditadura militar. 

Conexão UFRJ: Existe algum exemplo de como ele se engajou politicamente?

Tania: Oiticica viajou a Londres ao final de 1968 para uma exposição poucos dias antes de Caetano Veloso e Gilberto Gil serem presos pela presença da bandeira Seja marginal seja Herói, de 1968, como parte do cenário de um show dos cantores. As cartas nos revelam fatos pouco conhecidos, como a articulação feita pelo artista para uma manifestação “Tropicália-culture” visando levantar pressão internacional para a liberação dos dois cantores.

Além disso,  Oiticica afirma a um crítico americano, em novembro de 1969, que não acredita em “experimentos criativos” desvinculados do contexto político-social vigente, especialmente no Brasil. Mas ele logo corrige que isso não seria possível em lugar nenhum.

Conexão UFRJ: Hélio conversava com amigos artistas e comentava os trabalhos deles e seus planos para realizar diversas performances. Quão importante era essa troca?

Tania: Oiticica afirma em uma carta ao artista filipino David Medalle que o diálogo com outros artistas lhe é “indispensável” e necessário para estabelecer contato com “o coletivo”. Em muitas outras missivas, percebemos sua dedicação em discutir trabalhos e ideias de seus amigos e interlocutores, encorajando-os, buscando concretamente ajudá-los e defendendo sempre a importância de projetos em grupo. Com frequência, ele exorta os colegas a tomarem consciência do valor e da vivacidade da produção experimental brasileira dos anos 1960 frente ao contexto internacional e assinala a críticos estrangeiros sua originalidade e precedência.

Conexão UFRJ: O que você acredita ser o mais interessante sobre os bastidores da vida cultural que Hélio Oiticica relata?

Tania: Para mim, é muito impressionante o modo como o artista conjuga vida e crônica de uma época a suas elaborações conceituais mais densas e importantes.