A interseccionalidade é um conceito das Ciências Sociais que fala sobre quando opressões e discriminações se encontram e potencializam o sofrimento para grupos minoritários. No mês de junho, por exemplo, algumas datas dão destaque a duas comunidades: no dia 20, o foco é dado a pessoas refugiadas; enquanto o dia 28 celebra o Orgulho LGBTQIAP+. Mas como é a realidade de quem sofre esses dois tipos de discriminação?
Segundo dados da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês), cerca de 70 países criminalizam relações entre pessoas do mesmo gênero. Devido a perseguições e violências sofridas, migrantes e refugiados LGBTQIAP+ saem de seus países buscando reconstruir suas trajetórias. Fora de seus espaços, ainda encontram cenários complexos, muitas vezes tendo que encarar uma nova língua e cultura a fim de garantir um mínimo de segurança e dignidade.
O refúgio é uma proteção legal oferecida por um país para cidadãos de outras nações que estejam sofrendo perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas; ou, ainda, que estejam sujeitos, em seu país, a grave e generalizada violação de direitos humanos. Diante disso, a organização não governamental (ONG) LGBT+Movimento, formada em 2017 por mulheres representantes de grupos LGBTQIAP+, tem o objetivo de colaborar na criação de redes de afeto, proteção e integração voltadas para pessoas que sofrem discriminação em virtude de sua orientação sexual ou identidade de gênero, incluindo aquelas que são migrantes e refugiadas no Rio de Janeiro.
A diretora da ONG, Nathália Antonucci, ressalta que, apesar de a sexualidade ser abordada durante os atendimentos em organizações de apoio, essa geralmente não é a única motivação para a migração. Ela enfatiza a diversidade de razões para as pessoas a deixarem seus países de origem: “Normalmente, existem múltiplos motivos que levam as pessoas a migrar, como é o caso da crise na situação venezuelana. A situação no país, caracterizada pela falta de emprego, comida e medicamentos, se soma à perseguição relacionada à identidade de gênero e à sexualidade. Essas questões são consideradas motivações adicionais nesse contexto”, reforça.
Um dos principais desafios enfrentados pelos refugiados LGBTQIAP+ é a busca por uma colocação no mercado de trabalho, que está diretamente ligada a sua manutenção no país. A combinação da condição de refugiado com as questões relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero torna ainda mais difícil obter oportunidades de empregos formais, principalmente em virtude dos estigmas que esses grupos sofrem. Além disso, muitos chegam ao Brasil com formações profissionais e técnicas, mas enfrentam obstáculos para validar essas qualificações devido ao processo burocrático de cada país, o que inclui, ainda, a necessidade de documentação para a regularização migratória.
Diante desses desafios, organizações que servem de apoio a refugiados LGBTQIAP+ são de suma importância para que eles possam ter uma vida mais confortável no Brasil. Assim é o caso da ONG LGBT+Movimento, que busca oferecer espaços de acolhimento, apoio sociojurídico e de empregabilidade e saúde para esse grupo e tem realizado cerca de 300 atendimentos por ano, além de oferecer aulas de português, auxílio financeiro e rodas de conversas.
“A questão da empregabilidade é bastante delicada e complexa, e estamos trabalhando nisso, embora em um ritmo lento, devido à alta demanda e à necessidade dessas pessoas de serem inseridas no mercado de trabalho e conquistarem autonomia financeira para si mesmas”, explica a diretora.
No entanto, Nathália defende que a integração dessa população na sociedade brasileira requer ações conjuntas, envolvendo instituições, a comunidade LGBT e a população em geral. No último mês, o Ministério da Justiça e Segurança Pública aprovou um procedimento simplificado para a análise de pedidos de refúgio de pessoas LGBTQIAP+ oriundas de países que aplicam pena de morte ou prisão para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Trata-se de uma forma de reconhecer essa população como um grupo social com temor de perseguição e, consequentemente, merecedora de proteção.
Atualmente, o Brasil enfrenta um grande número de estrangeiros na fila de pedidos de refúgio, com 134 mil pessoas aguardando uma definição das autoridades. Essa medida pode ajudar inúmeros refugiados LGBTQIAP+ a alcançarem a oportunidade de ter uma vida digna. Para isso, a diretora defende que é essencial criar um ambiente inclusivo e seguro para que essas pessoas possam reconstruir suas vidas, respeitando suas identidades e experiências. “Nosso esforço é para que elas também tenham acesso a espaços assim e se sintam representadas. Elas também desejam ter seus próprios espaços.”, conclui.