Considerado pioneiro da pesquisa científica na área de ciências biológicas da Universidade, o professor Carlos Chagas Filho, que morreu em 2000, tentava ver além do seu tempo. Em 1972, no início de um processo de fortalecimento da ciência no Brasil com as pós-graduações, o professor decidiu pensar sobre o futuro da pesquisa, seus desafios e sua relação com a sociedade. Suas ideias se tornaram o livro O minuto que vem: reflexões sobre a ciência no mundo moderno, que agora tem nova edição pela Editora UFRJ. Mais de cinquenta anos depois, será que as questões apontadas ainda são pertinentes à realidade brasileira?
Dedicado à pesquisa, o professor decidiu transmitir na obra sua experiência na área, que esteve, segundo ele, “enquadrada toda ela num denominador comum: o de dar maior força à ciência brasileira, ou melhor, à nossa ‘cultura alargada’, a que me refiro mais de uma vez, sem a qual não chegaremos ao desenvolvimento social que todos almejamos”.
Nesse sentido, o livro é formado por ensaios sobre diversos temas, incluindo a contribuição da ciência para o desenvolvimento social. A obra também discute a responsabilidade da ciência, quais devem ser suas prioridades, as conquistas, a relação dela com o humanismo, o direito à saúde e os rumos da educação, aliando teoria e prática com a pesquisa. É dele a frase que estampa o site do Instituto de Biofísica da UFRJ, que leva seu nome: “na universidade se ensina porque se pesquisa”.
O prefácio do livro é assinado pela professora Denise Pires de Carvalho, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), ex-reitora da Universidade e atual secretária de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). Além da versão on-line, a obra será lançada como livro físico em breve.
O Conexão UFRJ conversou com o professor Adalberto Vieyra, do Centro Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (Cenabio/UFRJ), responsável pelo lançamento presencial de O minuto que vem: reflexões sobre a ciência no mundo moderno. O evento, que acontecerá em breve, é uma homenagem do Cenabio, com realização da Editora UFRJ, ao aniversário do Instituto de Biofísica da UFRJ − que completou 75 anos durante a pandemia, em 2020. Confira a entrevista a seguir:
Conexão UFRJ: Quem foi Carlos Chagas Filho?
Adalberto: Carlos Chagas Filho foi um grande cientista brasileiro do século passado. Professor titular de Biofísica, com pouco mais de 20 anos na década de 1930, foi a grande figura que consolidou a pesquisa científica [na área biológica] na que hoje é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criando primeiro o Laboratório de Biofísica e, em 1945, o Instituto de Biofísica. Congregou cientistas de diferentes partes do país e do exterior, atraiu investimentos de mecenas para a ciência, numa época em que não havia agências de fomento, e ampliou fronteiras disciplinares para além do seu campo de interesse. Com forte presença no cenário internacional, contribuiu em duas frentes principais: promovendo intercâmbios entre cientistas e estudantes de diferentes países do mundo; e fomentando a paz mundial, ao atuar na prevenção do inverno nuclear (guerra atômica) durante a Guerra Fria. Em ambas as frentes, presidindo a Academia Pontifícia de Ciências no Vaticano, onde também se empenhou no diálogo entre Ciência e Fé. Ao fundar o Instituto de Biofísica, que leva seu nome, legou à UFRJ uma unidade modelo de ciência, ensino e cultura para o país e o mundo.
Conexão UFRJ: Por que reeditar um livro dele de 1972?
Adalberto: Porque as questões que Carlos Chagas Filho aborda sobre o papel da ciência no mundo moderno continuam atuais. Vão desde as dificuldades materiais para fazer ciência, passando pelo cuidado do meio ambiente, até o dever de preservar a liberdade e a democracia. É importante pensar que o livro foi escrito na época de institucionalização da pós-graduação no Brasil.
Conexão UFRJ: Quais são as finalidades da ciência, segundo Carlos Chagas Filho?
Adalberto: Servir para o progresso e a felicidade da sociedade.
Conexão UFRJ: Qual a importância da pesquisa para o desenvolvimento social?
Adalberto: Ela permite a integração harmoniosa das pessoas com a natureza, o ambiente e a obra de outras pessoas, permitindo que todos usufruam de sua existência.
Conexão UFRJ: Quais eram os desafios da ciência naquela época, resumidamente? Foram superados?
Adalberto: Como hoje, o grande desafio era sobreviver. Hoje, sobreviver no meio de um negacionismo crescente, que substitui a indiferença de meio século atrás.
Conexão UFRJ: A relação do homem com a natureza parece ser uma questão importante para Carlos Chagas Filho. Como a ciência atua nesse contexto?
Adalberto: Para Carlos Chagas Filho, é através da ação recíproca que o homem exerce sobre seu ambiente e este sobre ele, numa das interações mais importantes relacionadas com a evolução do homem na Terra e um dos aspectos mais significativos da evolução do pensamento científico moderno.
Conexão UFRJ: Qual o papel da ciência em relação à saúde coletiva?
Adalberto: Por um lado, através do desenvolvimento de novos fármacos e vacinas. Por outro, através da epidemiologia e do desenvolvimento contínuo de ações para a preservação da saúde e da qualidade de vida.
Carlos Chagas Filho nasceu em 1910, formou-se em Medicina na Universidade do Brasil, hoje UFRJ, e abriu caminhos para a pesquisa científica nas universidades, pesquisando sobre Física Biológica. O cientista recebeu 16 títulos de doutor honoris causa de universidades nacionais e internacionais, foi presidente do Comitê Especial das Nações Unidas para Aplicação da Ciência e Tecnologia ao Desenvolvimento, além de presidente da Academia Pontifícia de Ciências, nomeado para o cargo pelo Papa Paulo VI.
Baixe o livro O minuto que vem: reflexões sobre a ciência no mundo moderno no site da Editora UFRJ.
*Sob supervisão da jornalista Vanessa Almeida.