Promovido pela Lei Federal 13.415/2017, o Novo Ensino Médio (NEM) vem sendo tema central nos debates sobre educação básica no país nos últimos seis anos. A proposta que, na teoria, flexibiliza o currículo e dá mais autonomia de escolha aos estudantes, realmente funcionará ou apenas aprofundará o abismo social entre estudantes de diferentes classes?
Iniciada em 2022, a implementação do NEM atinge atualmente estudantes do 1º e 2º anos letivos e, a partir do ano que vem, deve abarcar todo o ensino médio. As principais alterações estruturais do modelo envolvem a mudança na carga horária, que vai de 800 para 1.000 horas anuais, e a inclusão dos chamados “itinerários básicos formativos”, que possibilitam ao estudante escolher em qual área do conhecimento gostaria de se aprofundar ao longo dos três anos. As disciplinas que permanecerão obrigatórias serão agora 60% do currículo, enquanto os outros 40% ficarão por conta da opção do estudante.
Os itinerários formativos são divididos em cinco áreas: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Formação Técnica e Profissional. O estudante pode escolher uma ou mais opções. No entanto, não é obrigatório que as escolas ofereçam todos esses percursos em seus currículos – e esta é uma das questões que incomoda aqueles que são contra a nova estrutura. Enquanto alguns entendem as modificações como aumento da autonomia do estudante, outros especialistas enxergam a possibilidade de maior desigualdade, devido às diferentes realidades financeiras de instituições públicas e privadas.
Para Maria Luiza Süssekind, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o NEM irá aprofundar as diferenças dos sistemas públicos e privados, comprometendo a formação de inúmeros estudantes. Em sua pesquisa, apresentada em audiência no Senado em maio deste ano, Sussekind abordou a situação das escolas de ensino médio do Rio de Janeiro, que, em muitos casos, chegam a possuir um número muito pequeno de professores, e a dificuldade de se construir currículos fortes com o ensino precarizado e o profissional desvalorizado. No estado, os profissionais, inclusive, se encontram em greve contra o NEM e os ataques ao seu plano de carreira, e a favor de mudanças no piso salarial discutidas com o governador Cláudio Castro.
“Estamos falando de um ataque ao modelo de educação pública que defendemos. Não posso acreditar em outra reforma que não escuta ninguém. Não se faz reforma escolar por lei, não se faz reforma sem escutar a comunidade escolar como sujeito dos seus próprios direitos”, reforçou a pesquisadora da Unirio durante evento realizado no Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde (Nutes/UFRJ).
No mesmo debate, Maicon Azevedo, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ), defendeu que o currículo do ensino básico é um projeto de sociedade. De acordo com ele, a proposta trazida pela Lei 13.415/17 não trata apenas de uma reforma do ensino médio, mas sim de uma reforma de toda a educação básica do país, com desdobramentos muito mais amplos. O pesquisador citou, também, a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC) atrelada ao NEM, que aprofunda ainda mais as desigualdades.
“É uma falácia dizer que o ‘antigo’ ensino médio não funcionava, nós nem mesmo chegamos a oferecê-lo da maneira correta para a população”, afirmou.
Os pesquisadores e Luciana Cabral, professora do Cefet-RJ e mediadora da mesa, concordam que as propostas do atual governo, de apenas fazer modificações no texto e não de revogar a Lei por completo, são um erro. Eles acreditam que tanto o presidente Lula e o Ministério da Educação quanto os congressistas defendem um modelo influenciado pelo lobby de empresas e pelos interesses privados na educação.
Süssekind contou que suas pesquisas apontam para uma grande interferência privada na educação pública, citando empresas como a Globo, o Ifood, Itaú e Fundação Lemann. As iniciativas dessas organizações impactam na construção dos currículos, enquanto professores e alunos não são ouvidos. “Estamos falando de um MEC privatista e que vai aprofundar as diversas desigualdades que temos”, enfatizou.
Azevedo defendeu, ainda, que os professores estão sendo gravemente impactados por todas essas mudanças que exigem que exerçam atividades além de suas atribuições e formações, com currículos controversos e ementas vazias, além de uma sobrecarga que prejudica sua produção e, até mesmo, sua saúde. “A perspectiva do professor como intelectual está sendo jogada fora com a reforma.”
Durante o encerramento, a pesquisadora da Unirio saudou a força e a motivação dos profissionais que, mesmo sob ataque, continuam se dedicando ao ensino e a mudar a vida dos alunos.
“Muitas reformas vieram, mas elas morrem de desidratação. O que continua é o trabalho incansável dos professores.”