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Saúde

Pesquisa investiga vírus que pode levar à leucemia e neurodegeneração

Estudo selecionado pela Opas/OMS busca melhorias no diagnóstico e na prevenção do HTLV-1

Uma parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) vem estudando o vírus-T linfotrópico humano do tipo 1, o HTLV-1, retrovírus da mesma família do HIV, associado a casos de leucemia e doenças neurodegenerativas. A pesquisa recebeu investimento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS) junto com outros estudos latino-americanos e caribenhos que investigam doenças negligenciadas.

Embora descrito, na década de 1980, como um vírus associado ao câncer, o HTLV ainda é pouco estudado e bastante desconhecido do público em geral. Assim como o HIV, a forma mais comum de contágio é pela troca de fluidos, como em relações sexuais desprotegidas, compartilhamento de material cortante contaminado, uso de drogas em seringas infectadas e, ainda, pela amamentação, um dos focos da pesquisa.

Segundo Juliana Echevarria, pesquisadora do Instituto de Microbiologia Paulo de Goés (IMPG), o vírus era tão pouco estudado que nem atendia aos critérios para ser considerado causador de doença negligenciada, mas o impacto na vida dos pacientes era tão grande que os pesquisadores se uniram para cobrar essa inclusão.

A realidade da doença causada pelo vírus é um drama que impacta famílias inteiras. Marzia Puccioni, professora da Escola de Medicina e Cirurgia da Unirio, conta que trabalha com o HTLV-1 há décadas e que, no dia a dia do ambulatório, é comum ver pais e filhos infectados. 

“Não é um caso isolado de uma pessoa que se infectou. O drama é na família e às vezes fica por três ou quatro gerações, já que o vírus é transmitido pelo sexo e pelo aleitamento. Por ser uma doença negligenciada, muitas vezes os médicos não pedem nem mesmo exames específicos para diagnosticá-la. Existe teste para triagem, mas o teste confirmatório até hoje não está disponível no Sistema Único de Saúde. Precisamos de uma política pública”, defende Puccioni.

Ainda que cause uma infecção rara, pesquisas apontam que o vírus está ligado a casos agressivos de leucemia e distúrbios neurológicos degenerativos que podem acontecer anos depois do contágio, além de causar sintomas mais brandos, como incontinência urinária e algumas inflamações oftalmológicas. Até o momento não existe cura para a infecção. Os tratamentos são paliativos para os pacientes com doenças neurológicas degenerativas; já a leucemia deve ser tratada com as terapias oncológicas indicadas.

Imagem de microscópio mostra, em preto e branco, diversos agrupamentos de células, algumas com tons mais claros e formatos regulares, outras em tons mais escuros e irregulares. Dois desses segmentos são identificados: o primeiro, à esquerda, mostra o vírus HTLV-1, mais claro e regular; o segundo, à direita, mostra o HIV, mais escuro e irregular.
HTLV-1 é um retrovírus da mesma família do HIV | Imagem: Cynthia Goldsmith (CDC)

De acordo com Thiago Soares, professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, acredita-se que cerca de 16 mil gestantes são infectadas anualmente pelo HTLV-1 no Brasil, gerando em torno de 3 mil casos de transmissão materno-infantil do vírus.

“Muitas dessas doenças negligenciadas são associadas à pobreza e a condições precárias. Não têm um apelo tão grande para a indústria farmacêutica. Esse cenário aumenta muito a probabilidade do desenvolvimento de patologias associadas, como a leucemia. Esses quadros podem onerar ainda mais o SUS e os hospitais. O tratamento da leucemia infantojuvenil, por exemplo, geraria um investimento anual de cerca de 40 milhões de reais, considerando só esses casos. Tudo isso em uma doença que poderia ser evitada com conhecimento, prevenção e diagnóstico.”

Projeto internacionalmente reconhecido

Os pesquisadores da equipe que conquistou uma das bolsas da Opas/OMS atuam em duas frentes muito importantes no combate e na conscientização sobre o vírus. Soares explica que um dos objetivos é realizar um estudo clínico observacional que consiste em testar, em laboratório, o uso de uma classe de fármacos que poderão ser utilizados como um método de profilaxia pré-exposição para prevenir a transmissão durante o aleitamento.

O projeto também busca a validação de um novo teste de diagnóstico do HTLV-1 por meio da coleta de fluido oral, similar ao teste da covid-19. A iniciativa será conduzida por Luciane Cardoso, doutoranda na Faculdade de Medicina. O barateamento e maior acesso à testagem, com sua inclusão no Sistema Único de Saúde, podem fazer com que mais casos sejam diagnosticados precocemente e o ciclo de infecção seja interrompido.

“É o papel da universidade pública realizar essas pesquisas de interesse da população e divulgar esses resultados. E, uma vez que a gente faz esse trabalho, essas pesquisas, apresenta em congressos, isso também pressiona os órgãos públicos reguladores para dar mais visibilidade. Assim podemos fazer coisas simples, como tornar o teste obrigatório durante o pré-natal e para o transplante de órgãos. Nosso trabalho de formiguinha ajuda a despertar conhecimento e importância”, conclui Echevarria.