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Pensando a educação ambiental de maneira crítica

Muda Maré, projeto de extensão da UFRJ, convida a pensar a educação ambiental sob diferentes perspectivas

Quando pensamos em educação ambiental, o que vem às nossas cabeças? Orientações para desligar as luzes, consumir menos água, preservar as plantas são temas que geralmente conseguimos identificar. Mas a educação ambiental deve ser tratada da mesma forma para todas as realidades? O projeto de extensão Muda Maré − Educação Ambiental e Agricultura Urbana na Maré ensina que não. É necessário tanto considerar as diferenças sociais quanto pensar em políticas públicas e econômicas que atuem diretamente nesse viés.

O Complexo da Maré é composto por 16 favelas. Desde 1994 a Maré é reconhecida como um bairro, sendo um dos nove mais populosos do município do Rio de Janeiro, com cerca de 130 mil habitantes. Os dados são do Censo Demográfico 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE).

O Muda Maré teve início lá em 2011, a partir da iniciativa de estudantes, em sua maioria do curso de Biologia. Segundo Carlos Alexandre Pereira, atual coordenador do projeto, esse é um diferencial até hoje: ter sido, desde o surgimento, idealizado pelos estudantes a partir da perspectiva deles.

 Atualmente, a coordenação do projeto está sob a responsabilidade do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (Nides), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os encontros ocorrem geralmente em quatro favelas do Complexo da Maré (Nova Holanda, Parque União, Parque Maré e Vila dos Pinheiros). Há também atividades no Parque Ecológico da Maré, que fica na Vila dos Pinheiros. O parque possui a área equivalente a 10 campos de futebol e era conhecido como Ilha dos Macacos na década de 1980. Foi o primeiro criadouro de macacos da América Latina e tinha um espaço reservado para pesquisas. Hoje é um espaço primordial para servir de área verde de uso múltiplo aos moradores locais.

A formação do grupo Muda Maré, que antes era majoritariamente constituído por estudantes de fora da Maré, transformou-se muito ao longo dos quase doze anos de existência. Segundo Carlos Alexandre, hoje a maior parte do grupo é de pessoas negras, da comunidade LGBTQIA+, moradores da Maré ou de outras periferias e favelas. Isso faz diferença na maior característica que o projeto tem agora, que é “fazer educação ambiental crítica”.

Apesar de possuir, em sua maioria, estudantes dos cursos de Biologia, Geografia, Serviço Social, Psicologia e Engenharia Ambiental, o projeto aceita alunos de qualquer curso e até mesmo de outras instituições. Essa pluralidade de disciplinas ajuda a mantê-lo abrangente, enriquecendo as oficinas e trabalhos realizados.

O coordenador Carlos Alexandre Pereira(ao centro) com os estudantes do projeto em uma atividade de campo na Ilha do Araújo, em Paraty | Foto: Arquivo

Respeitar e entender as diferenças: fundamental quando pensamos em educação ambiental

A educação ambiental, como a maioria dos assuntos estudados academicamente, em geral não é pensada se respeitando as diferenças de realidades socioeconômicas ou de territórios. “Se pegar um livro de educação ambiental, você vai achar lá coisas muito importantes, mas dificilmente vai achar alguma coisa que foi escrita para ou por favelas. Então, diz muito pouco sobre a realidade de quem mora em favela e periferia, sobre a relação de um morador de favela com o ambiente”, afirma Carlos Alexandre. 

Nesse sentido, o projeto procura criar uma base teórica sobre educação ambiental partindo-se da realidade da periferia. Uma das ações é construir um curso de formação de educadores ambientais que tem como ponto de partida a realidade da favela e da periferia, e assim pensar a diversidade de forma ampla, como uma base de educação ambiental crítica.

Pensar a educação ambiental a partir da perspectiva das periferias significa incluir na pauta, por exemplo, as questões do racismo ambiental, da soberania alimentar e dos movimentos civilizatórios. Racismo ambiental é um termo utilizado para descrever a injustiça ambiental em um contexto racializado. Refere-se a comunidades de minorias étnicas que são sistematicamente submetidas a situações de degradação ambiental, já que os impactos ambientais não são distribuídos por toda a população da mesma maneira. Já a soberania alimentar é o direito de os povos definirem as próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos. Carlos Alexandre dá um exemplo que ajuda a entender essa perspectiva:

“Eu vou falar para a dona de casa que mora na favela, que tem um pratinho de vaso de planta, que ela não pode deixar água naquele pratinho porque senão o problema do surto de dengue vai ser responsabilidade dela, sendo que a gente sabe que o principal problema da dengue é o déficit sanitário? A gente não vê propaganda sobre a dengue falando do déficit sanitário, mas a gente vê propaganda falando do vasinho de planta”.

Déficit sanitário é o déficit em abastecimento de água potável, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos. No Brasil, ainda hoje, não são todas as casas que contam com saneamento básico adequado.

“Para falar sobre questões ambientais, você tem que falar de todo o resto. Você tem que falar de economia, política, justiça…”, complementa Carlos Alexandre sobre o conceito Educação Ambiental Crítica. “Ela tenta visualizar a questão, dos determinantes, para além do plantar ou do abraçar a árvore. O que mais temos que observar é o que está relacionado ao seu modo de vida, ao processo de formação do seu território, seus processos de socialização, que acabam determinando aquela sua condição”, conclui

Carlos Alexandre lembra também a importância de considerar a favela um espaço de potência, não apenas de ausências. “Se a gente for falar de favela, talvez, para muita gente, vai ser só ‘falta isso, falta aquilo, falta segurança, falta saneamento’. Então, vamos levar projetos de extensão. Preferimos encarar a Maré como um lugar de potência e a partir do convívio cotidiano pensar em coisas que desejamos e podemos fazer juntos.”  O coordenador revela que a lógica de funcionamento do projeto é a da construção conjunta, entre a Academia e o território, acreditando-se que muitas vezes a potência da favela está ali, mas talvez ainda não tenha sido desenvolvida por falta de oportunidade.

Matheus Nogueira Pessoa é estudante do 8º período do curso de Serviço Social na UFRJ. Morador da Maré, faz parte do projeto desde 2020. Ele destaca o grande diferencial que existe na abordagem da educação ambiental crítica: “É uma abordagem que busca desenvolver habilidades críticas e reflexivas nos indivíduos, para que possam compreender os problemas ambientais de forma mais ampla e abrangente. E assim transpor essa perspectiva pela nossa ótica e identificação como favelados, compreender os aspectos econômicos e sociais para que possamos desvelar as nuances sobre diversas temáticas, cuja transversalidade advém desde o racismo ambiental, a gentrificação pela lógica do mercado hegemônico etc. Em síntese, questões que atravessam direitos à cidade, saúde e sustentabilidade”.

Matheus afirma que desde que entrou para o projeto sua relação e perspectiva com a territorialidade se ampliaram: “A minha identificação com a minha favela veio à tona; questionar e abstrair as temáticas supracitadas se tornou rotina. O racismo ambiental, a gentrificação e o espaço estratégico que a Maré possui na cidade são questões profundas que estão agregando muito na minha formação; sobretudo, no momento em que participei do projeto, surgiu uma semente programada para disseminar uma educação ambiental crítica favelada e periférica”.  O estudante ainda destaca que a  relação dos moradores do Complexo com o projeto é longa e pertinente, e que, durante essa jornada de mais de uma década, moradores da Maré que integraram a proposta elaboraram e construíram diversas ações para reduzir as expressões de desigualdade no bairro.

A respeito da questão ambiental, o Muda Maré desenvolve também outras diversas atividades, como o treinamento em mídias sociais para a produção de conteúdos voltados ao tema, cursos para capacitação de educadores ambientais focados na diversidade, treinamento de educadores ambientais mirins, entre outras.