Definido como um objeto transnetuniano, Quaoar é um forte candidato a planeta-anão. Mas o que está por trás do pequeno astro, localizado além da órbita de Netuno, pode mudar um conceito que começou a ser escrito no século XIX. Uma pesquisa publicada na Nature e realizada pelo Observatório do Valongo, em parceria com instituições internacionais e astrônomos amadores, identificou um curioso anel “impossível” em torno do asteroide.
Para a Astronomia, anéis são estruturas não sólidas que reúnem asteroides, poeira e outras partículas em torno de um astro maior. Até 2013, os pesquisadores só conheciam anéis ligados a planetas gigantes, como Saturno e Júpiter, mas a descoberta de anéis no planeta-anão Haumea e no centauro Chariklo abriu precedentes para novos estudos sobre o tema.
Bruno Morgado, professor do Observatório do Valongo e primeiro autor da pesquisa, conta que o fator mais importante da descoberta não é a existência do anel em si, mas sua localização. No século XIX, o astrônomo francês Édouard Roche desenvolveu uma teoria, posteriormente conhecida como Limite de Roche, que define a distância de 1.750 km para que um disco de partículas se mantenha no formato de um anel. Para além dessa linha, acreditava-se que o disco começaria a se aglutinar e acabaria por formar um satélite natural, uma lua. Essa teoria também é aplicada em exoplanetas e em diferentes pesquisas. No caso de Quaoar, que tem apenas 555 km de extensão, o anel está localizado a 4.100 km de seu corpo central.
“Pela primeira vez, estamos vendo um anel além do Limite de Roche. A primeira pergunta que a gente se faz é se não estamos vendo esse anel literalmente se transformando em um satélite natural. Mas isso é improvável, já que esse processo demoraria algumas dezenas de anos e, considerando toda a história do Sistema Solar, é improvável que estejamos na hora certa e no lugar certo”, explica o professor.
Os pesquisadores acreditam que exista algum efeito dinâmico, a exemplo de uma alteração gravitacional, que permita que esse anel continue existindo em seu formato original. Porém, para chegar a uma resposta definitiva, mais estudos precisam ser realizados.
“Até dez anos atrás, a gente nunca tinha visto anel em pequeno corpo; hoje, a gente já conhece três. Quantos mais existem por aí e que simplesmente não vimos ainda? Essas pesquisas por si sós já podem dizer muito sobre como o Sistema Solar se formou. Com o Quaoar especificamente, acreditamos que exista um efeito dinâmico. Como a Física é uma só, se acontece neste caso, é provável que possa acontecer em outros corpos no Universo”, reforça Morgado.
A Ciência é colaborativa
As partículas presentes no anel de Quaoar e nos anéis de outros astros são tão pequenas que uma observação direta não é possível, nem mesmo por meio da tecnologia mais avançada na área atualmente, o satélite artificial James Webb. Por isso, a descoberta de Morgado e seus colegas precisou ser feita de maneira indireta, por meio de uma metodologia que envolveu pesquisadores de diversas instituições de pesquisa e astrônomos amadores ao redor do planeta.
A ocultação estelar é uma técnica que se assemelha muito ao eclipse, quando a luz de uma estrela incide sobre certos corpos e permite a observação de sua sombra aqui na Terra. A sombra é então medida e os parâmetros obtidos nessa medição possibilitam a identificação de corpos celestes e fenômenos no seu entorno.
“O interessante é que fizemos isso com o Quaoar, e não foi só ele que passou na frente da sombra – mas algo a mais. Pudemos ver nessas observações, feitas entre 2018 e 2021, que existem várias pequenas regiões a sua volta. Ao reunir todas essas informações, vimos que era um anel”, explica o professor, ressaltando que essa mesma técnica foi utilizada na descoberta dos anéis de outros astros, como Urano e Chariklo.
Para o método ser efetivo, pesquisadores de observatórios no Brasil, França e Espanha, além de entusiastas da Astronomia de outros pontos do mundo, reuniram dados de seus equipamentos e os compartilharam entre si, permitindo a realização de cálculos mais apurados. Para Morgado, essa é verdadeira colaboração global, que permite não só que descobertas como esta sejam feitas, mas também que a própria Ciência evolua.
“Tudo isso só é possível graças à colaboração. Eu não seria capaz de fazer isso sozinho. Aquela ideia do cientista solitário trancado em uma sala não é mais verdade: não é possível fazer Ciência sem interação”, conclui o pesquisador.
Saiba mais sobre o Quaoar e a pesquisa do Observatório do Valongo no site da Nature.