O Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC) da UFRJ vai realizar uma pesquisa inédita para produzir dados confiáveis sobre o quadro de pessoas que passam fome na capital do Rio de Janeiro. Os dados atuais se limitam ao nível estadual e o levantamento vai aprimorar o conhecimento da situação no município. A meta é concluir o trabalho ainda em 2023.
A insegurança alimentar atinge milhões de brasileiros, mas as imprecisões geram críticas e desconfiança, como as recebidas pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Durante painel no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, ela se corrigiu e informou que o número de famélicos, ou seja, de pessoas que estão em condição de insegurança alimentar grave no Brasil é de 33 milhões. Antes a ministra havia informado 120 milhões, número que corresponde ao de pessoas que vivenciam algum grau de insegurança alimentar, de acordo com professor Paulo César Pereira de Castro Junior, do INJC.
De acordo com Castro Junior, a pesquisa será realizada nas 33 regiões administrativas, abrangendo os 160 bairros do Rio. “Nossa amostra total é de dois mil domicílios. O projeto contará com uma equipe formada por cinco docentes do curso de Nutrição da UFRJ, além de dois docentes do curso de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF). Também serão envolvidos alunos de iniciação científica e de pós-graduação”, afirmou.
O estudo começa já no primeiro semestre. “Nossa intenção é entregar o relatório em agosto deste ano. Estamos terminando de assinar o acordo para dar início ao projeto”, informou o professor. Segundo ele, o levantamento ocorrerá paralelamente em duas vertentes: o inquérito, com entrevista face a face, a partir de uma amostra de domicílios da cidade do Rio de Janeiro, e o levantamento de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional implementadas no município.
Castro Junior explicou que serão analisadas as políticas públicas existentes no Rio que foram desenhadas para a garantia do direito humano à alimentação e nutrição adequadas, e quais ações o município tem realizado para enfrentar o crescimento da fome. “Como tem sido a construção das cozinhas comunitárias ou a implementação do programa de alimentação escolar?”, exemplificou.
O gênero do chefe do domicílio, a raça/cor, a renda, a faixa etária e o bairro de moradia serão apurados no levantamento para produzir análises descritivas da população estudada sobre insegurança alimentar. A proposta compreende também relacionar o estado nutricional (alimentação, desnutrição e/ou obesidade) com a insegurança alimentar, bem como a percepção do ambiente alimentar e a insegurança alimentar. “Nos questionários, vamos perguntar se os moradores identificam, no seu território de moradia, a disponibilidade de alimentos saudáveis e também se os preços dos alimentos saudáveis são acessíveis economicamente”, informou o professor do INJC.
O estudo foi encomendado pela Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional da Câmara do Rio e contou com o apoio da mesa diretora da casa. Segundo Castro Júnior, houve um contato com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) a fim de buscar dados a respeito da situação de insegurança alimentar na cidade do Rio, após a publicação dos relatórios do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan). “Esse estudo teve por intenção fazer um diagnóstico da situação da insegurança alimentar no território brasileiro. No entanto, os dados da pesquisa não permitem fazer uma inferência em nível municipal, permitindo apenas uma análise em âmbito estadual. Por esse motivo, a professora Rosana Salles, do INJC e coordenadora do Vigisan, foi procurada para fazer o novo trabalho”, contou.
O levantamento do INJC, além de pioneiro, tem como vantagem possibilitar esmiuçar os dados em menor escala. “Vamos dar um zoom, olhar para o microterritório. Cabe ressaltar que o instrumento que vamos utilizar, a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), já é validada e tem sido muito utilizada em diferentes populações, o que vai nos permitir comparabilidade. Destaco que a alimentação é direito constitucional. É dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade”, concluiu Castro Junior.
O que é insegurança alimentar?
De uma forma resumida, os níveis de insegurança alimentar captados pela Ebia podem ter quatro níveis. O primeiro é o estado de segurança alimentar, quando um domicílio tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Depois, há a insegurança alimentar leve, quando a preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro, ou seja, a qualidade da dieta dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos está presente e existe o risco para a sustentabilidade da família. O estágio seguinte é o de insegurança alimentar moderada, no qual há restrição na quantidade de alimentos na família − em geral, quando há reduções quantitativas de alimentos entre os adultos. Por último, temos os casos de insegurança alimentar grave, que acontece quando a quantidade de alimentos, tanto para os adultos como para as crianças que residem no domicílio, é escassa. Nessa situação, assume-se que a experiência da fome é vivida no domicílio.