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Pelo Campus

Curso de gastronomia da UFRJ para ex-detentas é destaque em reportagem do jornal O Globo

Iniciativa é importante instrumento de inclusão social e potencializa inserção profissional em empresas ou em negócio próprio

A edição de domingo, 27/11, do jornal O Globo deu destaque ao GastroJus – Gastronomia e Justiça Social, curso de extensão em gastronomia oferecido pela UFRJ para ex-detentas, que aprendem sobre higiene, aproveitamento de alimentos, massas e confeitaria. “Sem ações como essa, ficamos perdidas”, diz Carla Cardoso, que passou três anos presa e é estudante do curso.

Leia na íntegra abaixo ou aqui.

Um novo ingrediente acaba de entrar na vida de 29 mulheres sobreviventes do cárcere: a capacitação. Elas são alunas da primeira turma do GastroJus – Gastronomia e Justiça Social, um curso de extensão da UFRJ de práticas gastronômicas e produção de alimentos para pessoas indicadas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). A formação dá ferramentas para que ex-detentas se coloquem no mercado de trabalho ou mesmo abram seu próprio negócio, além de ser um instrumento fundamental de inclusão social. A iniciativa envolve ainda o Fórum Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário do Rio e o projeto Justiça para Elas.

– É muito representativo as aulas acontecerem numa universidade, espaço em que a maioria delas nunca imaginou estar. Aqui elas estão recuperando o direito de sonhar. É uma quebra dos muros da universidade para dialogar com a sociedade – diz Mara Lima De Cnop, professora adjunta do curso de Gastronomia da UFRJ e coordenadora do projeto. – Existe um espaço entre essas mulheres e a sociedade. É um grupo que enfrenta mais barreiras do que outros. Mas a gente acredita que a capacidade é uma forma de elas se sentirem mais seguras.

O encaminhamento para o curso começa no sistema prisional. Já na audiência prévia de custódia elas ficam sabendo sobre as aulas. Ao serem liberadas pelo juiz, passam por rum segundo atendimento social feito por psicólogos e assistentes sociais do próprio Tribunal de Justiça.

Interesse surpreende

O que te chamado a atenção é a afinidade das mulheres com a gastronomia. Mara Lima diz que é natural uma turma começar cheia de alunos e ir encolhendo ao longo do tempo. No GastroJus, tem acontecido o contrário. O curso abriu 25 vagas, e já tem 29 alunas inscritas.

– A cada aula, chegam mais mulheres. Essa assiduidade delas está nos surpreendendo. – comenta.

Isso porque, mais do que um curso de capacitação, a universidade tem sido um espaço de acolhimento. Elas recebem uma ajuda de custo para poder frequentar as aulas e são recebidas na estação do BRT da Ilha do Fundão por integrantes da equipe. Ao chegar à sala de aula, há um café da manhã de boas-vindas, e, só depois, começas as atividades.

– Pensamos também no lado social. A convivência entre elas é algo importante, que fortalece a própria rede de apoio – ressalta Luisa Bertrami, psicóloga que trabalha na porta de entrada do sistema prisional, representante do Fórum de Saúde Penitenciário e coordenadora do programa Justiça para Elas.

Ao todo, são oito aulas práticas e teóricas, sempre às quintas-feiras: higiene e legislação sanitária, cortes e aproveitamento integral dos alimentos, veganismo e feminismo, massas e molhos, gestão básica, salgados fritos e assados, serviços de mesa e bebida e confeitaria. A carga horária total é de 24 horas.

Aluno do oitavo período de Gastronomia, Guilherme Shitomi, de 22 anos, ministrou a aula de cortes e aproveitamento integral dos alimentos. Ele ensinou, na prática, as várias técnicas usadas nas cozinhas profissionais, só que de um jeitinho mais acessível. Assim, o corte brunoise virou quadradinho pequeno e o julienne, tiras finas.

– Usamos muitos nomes técnicos, geralmente franceses, que aqui adaptamos – conta Shitomi. – Quando elas chegarem ao mercado de trabalho, vão saber demonstrar tudo na prática. Podem não saber os nomes que estão nos livros, mas saberão executar cada um dos cortes.

Uma das alunas é Kyrlane Beatriz, de 46 anos. Se hoje ela mostra suas habilidades na cozinha do curso, pouco mais de um ano atrás a situação era muito diferente. Viciada em crack, Kyrlane vivia na rua e chegou a pesar 36 quilos. Hoje, com quase 50 quilos a mais, ela sabe da importância da qualificação para retomar a vida, sem recaídas.

– A droga acaba com a nossa autoestima. Esse curso nos ensina a ser autossuficientes, nos ensina a ter uma profissão – diz ela, que passou oito meses na cadeia. – Aceitei um café de um cara que estava com material roubado. Ele foi preso, e eu fui junto.

Desde que deixou a prisão, Carla Cardoso, de 42 anos, aprendeu a se virar. Uma faxina aqui, outra ali. Até que passou a se dedicar à produção de quentinhas. Hoje, ela cuida da comida de todos os dez funcionários de uma obra, mas quer abrir sua própria loja.

– A volta à sociedade é muito complicada. Sem ações como essa, ficamos perdidas. As oportunidades de trabalho somem do nada depois que puxam a nossa ficha, independentemente do que você fez – desabafa Carla, que cumpriu três anos por tráfico e associação ao tráfico.