Uma grande toalha estendida na mesa, com cadeiras dispostas ao redor. Agulhas, tecidos, tesouras, linhas, diferentes cores. Chega quem quer. Fala-se sobre o que quiser. Quem não quiser não fala. Escuta-se, aproxima-se, sente-se. Esse é o Encontro de Conversa e Bordado, projeto de extensão do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio da Cáritas/RJ (Pares Cáritas/RJ), integrante da Arquidiocese do Rio, e com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura (Nuppec).
O projeto é coordenado por Maria Cristina Candal Poli, doutora em Psicologia, professora associada do Departamento de Psicologia Social e coordenadora do Programa de Teoria Psicanalítica, ambos do Instituto de Psicologia da UFRJ; e por Thoya Mosena, psicanalista, membro do Coletivo Intervenção por uma Psicanálise Clínico-política da Universidade e do NUPPEC-eixo2/UFRGS. A proposta é que seja um local de livre escuta para imigrantes refugiados de vários países. Diferentemente das sessões formais com psicólogos, assistentes sociais ou outros profissionais, nas reuniões, que acontecem às terças-feiras na sede do Pares Cáritas, no Maracanã, não existem perguntas prontas ou questionários. Não interessa por que a pessoa está no Brasil ou qual é/foi a sua história no país de origem.
O trabalho se insere em uma proposta que Maria Cristina já vinha conduzindo com a população de imigrantes no Brasil. “Essas pessoas forçosamente precisam fazer esse movimento imigratório; então a gente busca, na verdade, é se oferecer, oferecer um espaço, um lugar ou um momento em que se possa partir de uma ideia de compartilhamento, de uma efetiva disponibilidade para a acolhida do estrangeiro. Sejam eles para nós ou nós para eles.”
A intenção é trocar experiências, concentrar-se no bordado, trazer a memória de família. As mulheres são a maioria nos encontros, mas há alguns homens que partilham a experiência também. As nacionalidades são variadas. Vindos de diferentes países, como Venezuela, Congo ou Afeganistão, o foco no local é o compartilhamento, nem que seja de uma tesoura, sem ter um roteiro preestabelecido. A conversa vai fluindo no movimento da linha e da agulha ou na decisão de qual cor será utilizada.
Thoya ressalta que o importante é o encontro: “A proposta é promover um encontro exatamente como diz o título, de conversa e bordado. Mas em uma aposta de que esse encontro é para fazer alguma coisa juntos. Puxa o fio de uma conversa, vai trazendo histórias e lembranças, vai criando uma memória daquele grupo, daquele encontro, daquele dia”. Ela explica ainda que não é necessário saber bordar e que o fluxo dos participantes é alto: “Tem um fluxo. Não são sempre as mesmas pessoas que bordam e não precisa ser assim. A ideia é estender uma grande toalha para se compartilhar a mesma superfície onde todos nós bordamos juntos”.
O projeto é fruto de uma ação anterior, que começou durante a pandemia da covid-19, em um abrigo temporário para imigrantes, em grande parte, de mulheres venezuelanas. Na ocasião, elas participavam dos encontros, na época ainda virtuais, e cada uma bordou seu pedaço de tecido, o que gerou uma grande toalha com essas memórias. Hoje ela cobre a mesa em que acontecem tais encontros, na sede do Pares Cáritas/RJ.
Thoya conta que essa também foi uma forma de registrar a passagem das mulheres pelo abrigo, muitas vezes antes de irem para outros abrigos ou conseguirem um lugar para ficar: “Eu perguntei se ficava algum registro da passagem delas pelo abrigo, porque elas ficavam no máximo por seis meses lá. Além do registro documental, em pastas e prontuários, não existia outro. Sugerimos ter a memória desse trânsito, que é provisório, antes de ir para outro lugar, e muitas registraram o próprio nome, o nome dos filhos ou bordaram orações”.
Uma das jovens participantes do projeto é Weeda. O que a fez sentar à mesa foi a possibilidade de bordar de forma livre. Ela conta que já gostava de realizar esse tipo de trabalho manual, por isso decidiu participar, após a aula de português oferecida pelo Pares.
Gabriela Cristelo, 24 anos, estudante do curso de Psicologia, é uma das duas extensionistas do projeto. Segundo Gabriela, o que mais chamou sua atenção foi a oportunidade de ter outra visão da psicanálise, fugindo dos moldes europeus, ainda tão comuns na formação universitária. “Eu gostei bastante também porque já conhecia um pouco o trabalho da Maria Cristina Poli. Já sabia que ela tinha esse olhar menos eurocentrado e com uma noção mais brasileira da psicanálise. Eu achei que fosse interessante e me arrisquei a tentar.”
A estudante destaca o interesse pelo bordado e diz que já consegue reconhecer mudanças na sua formação acadêmica e de vida: “Eu acho que hoje tenho um olhar mais amplo, principalmente em relação às pessoas que a gente vem conhecendo, sobre as culturas, sobre o motivo de elas estarem aqui e também sobre as diferentes formas da psicologia atual. Eu acho que isso é uma das coisas que mais me chamam a atenção; é o que me dá muito brilho nos olhos”. Para ela, o papel da extensão universitária é olhar para fora, além dos muros da universidade. Gabriela destaca que o projeto está sendo “muito divertido”.
A professora Maria Cristina diz que é uma entusiasta da extensão universitária: “Todos os projetos de extensão que eu conduzo têm sido de alto impacto, tanto nas minhas pesquisas quanto no trabalho de formação dos alunos de graduação. E também na formação e constituição de parceiros, da sociedade e com colegas que não estão atuando diretamente no campo acadêmico”.
A extensão universitária
Ensino, pesquisa e extensão são os três pilares-base das universidades públicas. A extensão é constituída por ações, projetos e programas que visam à integração entre a universidade e a comunidade externa. A ideia é que exista essa integração entre os saberes vindos tanto da universidade quanto da comunidade, estabelecendo uma via de mão dupla, em uma troca sem hierarquização, em que todos tenham a ganhar. As atividades de extensão correspondem a 10% da carga horária obrigatória da graduação na UFRJ.
A gestão das atividades de extensão é responsabilidade da Pró-Reitoria de Extensão (PR-5) da Universidade.