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Pelo Campus Sociedade

Geografias do Racismo: novos olhares sobre o espaço e a raça

Núcleo desenvolve projeto de extensão e curso sobre o tema

Um dos campos de estudo da Geografia é a relação das pessoas com o espaço que habitam. Em um país formado por movimentos migratórios voluntários e forçados de europeus e africanos, bem como pela natureza indígena da terra, pensar sobre diferentes culturas, raças e grupos étnicos faz parte do processo de pesquisa da área. No entanto, disciplinas que abordem essas questões não parecem ser frequentes nos cursos de formação. 

De acordo com o Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga), até o primeiro semestre de 2020, a grade curricular da graduação em Geografia da UFRJ não contava com nenhuma disciplina que abordasse raça ou etnia em seu título. Enxergando a necessidade de debater estas questões a partir do ponto de vista dos cursos do Instituto de Geociências (Igeo), o Núcleo de Estudo e Extensão sobre Grafias e Heranças Africanas (Negha) criou o projeto de extensão Geografias da Raça, Sociedade e Educação Antirracista, em 2016. 

Buscando incentivar uma educação antirracista, a iniciativa faz parte de um movimento de mudança observado a partir do aumento do número de estudantes e professores negros na Universidade e, ainda, da Lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Para isso, o grupo promove ações nesses espaços as quais envolvem contação de histórias para crianças e rodas de conversa sobre o tema para alunos do ensino médio. 

Atuando não só no Rio de Janeiro, mas também em outros municípios, o projeto tem realizado encontros voltados para o público infantil em diversas regiões do estado: Região Metropolitana, Região Serrana e também no Sul Fluminense. O objetivo é trazer narrativas em que os protagonistas são negros, colaborando para o processo de autoimagem dos pequenos. Uma das escolhas é o livro O Cabelo de Cora, que conta a história de uma menina negra que tem muito orgulho dos seus cabelos crespos. 

A leitura tem como foco alunos da educação infantil até o fundamental I. Para grupos mais adiantados, como o ensino fundamental II, são realizadas atividades mais complexas, que abordem as questões raciais de forma mais explícita. Já com estudantes do ensino médio, palestras e rodas de conversas propõem debates abertos sobre o tema, tendo em vista que os jovens já estão mais maduros para tratar e discutir sobre o assunto. 

Em um galpão, há uma roda com vários professores, eles estão sentados em cadeiras.
Formação de professores. | Foto: Divulgação

Outra ação que se desenvolveu a partir do projeto é o Minicurso Geografias do Racismo, que debate temas como necropolítica, racismo e cidade, direitos humanos, o negro e a cultura e conexões afroamericanas e tem em um dos públicos-alvo professores da educação básica. Uma vez que boa parte dos egressos do curso atuarão como docentes após concluírem a graduação, o coordenador do Negha e professor do Igeo Eduardo Maia defende que é necessário que a Universidade procure maneiras de fazer com que os docentes recebam uma educação antirracista, para que possam repassá-la em sala de aula também.

“Nós tentamos pensar em uma outra forma de olhar o Brasil e a cidade, a partir da população negra. O principal é trazer autores negros, é o nosso primeiro compromisso. E são eles que vão trazer temas sensíveis. As atividades, quando são realizadas para crianças, trazem protagonistas negros em seu lugar de fala”, explica o coordenador. 

Para Eduardo Maia, assim como se diz que a História apagou o passado e os feitos dos negros no Brasil, o mesmo pode ser dito sobre a Geografia. Ele explica que muitas ações utilizadas para justificar ou manter a escravidão e o racismo foram reforçadas por pesquisadores e estudiosos da área, como o determinismo geográfico, por exemplo. A partir deste conceito, acreditava-se que o local de nascimento ou de permanência de uma pessoa definiria quem ela seria culturalmente e como seria seu desenvolvimento. 

“Tem um elemento histórico fundamental, que é a produção de uma narrativa muito comprometida com a classe dominante europeia branca, mas a Geografia não pode se furtar disso porque, na sua discussão sobre formação do território brasileiro, ela ignorou propositalmente o papel da população negra na produção desse Estado que é hoje.”

Com uma proposta de mostrar outros olhares sobre a Geografia, o projeto de extensão e o curso são tentativas de vislumbrar um Brasil a partir da ótica negra, destacando autores e narrativas em que eles são o destaque. Para se inscrever no projeto de extensão, não há prazo: basta fazer a busca no Siga e entrar em contato com os responsáveis. Já o curso Geografias do Racismo não está com inscrições abertas no momento. Novas datas serão divulgadas antecipadamente no Instagram do Negha: @neghaufrj.