Acordei subitamente de madrugada para arrumar a roupa de cama. Tirei os travesseiros, o lençol e o cobertor. Deixei-os esticados em um lugar qualquer. Abri as janelas. Lavei a roupa suja que estava no cesto. Acendi um incenso. Fui até a cozinha esquentar a água para o café. Coloquei duas colheres do pó no coador. Voltei para o quarto. Envolvi o colchão com o lençol. Pus as fronhas nos travesseiros e os coloquei sobre a cama. Por fim, ajeitei o cobertor.
Ainda não era o suficiente. Corre, corre. A água está borbulhando. Voltei à cozinha. Desliguei o fogo. A água quente fumegava. Talvez a mesma fumaça saísse de mim, se pudesse virar líquido. Passei o café. Coloquei algumas colheres bem generosas de açúcar e me dei a liberdade de sentar no sofá e observar o breu da noite pela janela. Três e cinquenta da manhã, olhei no relógio do rack. Alguma coisa naqueles ponteiros me incomodavam. Como se rissem secretamente de mim entre os tic-tacs. Virei o café de uma vez só. Coloquei o painel do relógio para baixo e arranquei-lhe as baterias.
Voltei à cozinha. Lavei a caneca e a louça do dia anterior. Peguei pá e vassoura e comecei a varrer a casa. Uma loucura. Tudo uma loucura. Comecei pela sala, passando pelo corredor, quarto, banheiro e, por fim, a cozinha. Muito pó se acumulou nos últimos tempos. Depois passei um pano úmido em cada um dos cômodos de forma metódica. Religiosamente, quando terminei, fui tirada do transe pelo meu alarme. Cinco e vinte da manhã. Hora de acordar. Daqui a uma hora e vinte minutos preciso estar no trabalho.
Fui até o banheiro e, com pressa, entrei no box. A água estava fria. Ridiculamente fria. Não me importei. Eu bem que merecia. Tão logo acabei e me vesti. Calçava os sapatos quando recebi uma mensagem do meu chefe. “Hoje vai ser um bom dia, equipe!”. Bom. Ri. “Bom para quem?”, respondi. Estava no meu limite. Sabia que, com essa mensagem, daqui a uma semana haveria redução do pessoal. Tirei minha roupa e coloquei o pijama, quieta. Tudo bem. Eu nem gostava desse emprego mesmo.
Ana Gonçalves é poeta e graduanda em Letras na UFRJ. Vê a escrita como uma “fonte inesgotável de magia”, bem como defendido por Dumbledore, e como uma forma de estar no mundo. Seus trabalhos podem ser encontrados no Medium (anafigns.medium.com) e no Instagram (@akaclara).
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