No Largo de São Francisco, uma das áreas históricas mais importantes do Centro do Rio de Janeiro, um imponente prédio de quatro andares chama a atenção. O edifício, que hoje abriga o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e o Instituto de História, é considerado um ícone do patrimônio universitário brasileiro e um símbolo da expansão da cidade no século XVIII.
Quando a capital do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, a Igreja Matriz carioca se tornou a Catedral do país. Porém, a velha igreja de São Sebastião era pequena e no topo do Morro do Castelo, o que não atendia as expectativas dos cidadãos. Cercada por uma muralha que ligava o Morro do Castelo até o Morro da Conceição, seguindo o que hoje é a Rua Uruguaiana, a cidade buscava um novo terreno para a construção da Sé, igreja principal da diocese.
Foi então que as autoridades da época começaram a estudar a viabilidade de construí-la na área conhecida como rossio, a região depois da muralha que não podia ser alienada. João Carlos Nara Júnior, arquiteto do Escritório Técnico da Universidade (ETU) e doutor em História Comparada pela UFRJ, conta que os moradores lá buscavam lenha, água e argila, mas não era possível plantar. Esse entorno da cidade era totalmente encharcado pela Lagoa da Pavuna que, assoreada, deu lugar ao Largo de São Francisco, à Praça Tiradentes e ao Campo de Santana.
“Ali começou-se a construir, então, uma igreja para ser a sede dessa nova circunscrição e uma forma também de se sacramentar a ideia de que a cidade precisava expandir para além dos seus muros. A cidade precisava de mais espaço. A obra acabou sendo abandonada e outras igrejas assumiram o papel de catedral”, explica o arquiteto, que atualmente exerce o cargo de Diretor Executivo na Fundação Biblioteca Nacional.
Um dos berços do ensino superior no país
Até o início do século XIX, quando a família real chegou ao Brasil, o que se tinha de construção era o corpo da capela mor e as alas laterais correspondentes. Dom João viu no edifício uma oportunidade para instalar a Academia Real Militar e solicitou o término das obras para ocupação do espaço. Em 1812, a instituição iniciou suas atividades de ensino no local.
Em 1835 o prédio passa pela primeira expansão, adicionando um bloco neoclássico frontal projetado por Pierre Joseph Pezerat, mas logo ela fica pequena mais uma vez devido à expansão do uso do espaço por outras instituições. Em 1858, após a saída da Academia Real, o edifício se tornou a Escola Central, uma instituição civil de ensino que posteriormente também se chamaria Escola Politécnica e Escola Nacional de Engenharia. O local se tornou o berço do ensino da área no país.
No futuro, a Escola Nacional se juntaria com a Faculdade de Direito e a de Medicina, dando origem à Universidade do Brasil e, atualmente, à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“O reconhecimento do valor do prédio não pode ficar só pela ambiência da rua, pela proporção da sua mole, por algum decreto estadual ou municipal. O edifício é um ícone do patrimônio universitário brasileiro. Não é tanto pela parte urbana ou pela sua inserção em um corredor cultural. A gente tem que olhar um pouco mais longe e ver que o edifício tem valor mesmo”, defende.
Com a transferência do curso de Engenharia para a Ilha do Fundão, em 1962, o prédio ficou inutilizado por oito anos, vindo a se tornar, nos anos 1970, sede do Ifcs e do Instituto de História, formado posteriormente.
Além da importância para o ensino superior, o prédio também testemunhou outros momentos marcantes da história do país, como as exposições nacionais sobre a indústria no século XIX, exibindo o desenvolvimento tecnológico do período, e a inauguração da estátua de José Bonifácio no Largo de São Francisco para comemorar o cinquentenário da independência do Brasil.
Intervenções e tombamento
De acordo com Nara, desde a sua inauguração o prédio passou por diversas modificações, entre expansões, reformas e obras que o impactaram estética e arquitetonicamente. Além do projeto de Pezerat, em 1958, algumas das intervenções mais notáveis foram a adição de varandas, em 1876, o terceiro andar frontal, em 1903, o quarto andar frontal, em 1948, e a expansão desses últimos andares em 1955.
Rapha Pinheiro, graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e mestre em Mídias Criativas pela Escola de Comunicação (ECO), documentou as mudanças do prédio em sua história em quadrinhos “Ifcs e o Largo de São Francisco”. Na publicação, desenvolvida na UFRJ como trabalho de conclusão de curso, o arquiteto conta que o anexo de Pezerat modificou, inclusive, a forma de entrar no prédio, que antes era feita pelo atual Largo Alexandre Herculano.
Ao realizar um trabalho de pesquisa sobre a área no Laboratório de Análise Urbana e Representação Digital (Laurd), o ainda estudante modelou a área e teve acesso a documentos antigos sobre a região. O que pode parecer uma “colcha de retalhos”, com anexos construídos para atender demandas específicas, chamou a atenção de Pinheiro para como a arquitetura e a história se entrelaçavam no prédio.
“Podemos perceber até como os métodos construtivos mudaram depois de tantos anos. As paredes dos primeiros pavimentos foram feitas de taipa de pilão e podiam ter mais de um metro de espessura. Já as partes construídas mais recentemente tiveram paredes de vedação com estrutura de viga e pilar, resultando em paredes bem mais finas de até 17 centímetros”, descreve na HQ.
Essas mudanças, no entanto, não são um consenso entre todos os arquitetos e os responsáveis pela manutenção do patrimônio histórico. Segundo Nara, o plano diretor, encaminhado pela congregação do Ifcs em 2008 e aprovado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), prevê a demolição dos trechos adicionados em 1955 por serem considerados espúrios. Esses elementos descaracterizam o edifício, que era, originalmente, alto na parte da frente e baixo na parte de trás.
“O edifício foi tombado a nível federal em 1964 e a nível estadual em 1989, e incluído na área de proteção do ambiente cultural do município em 1984. O plano diretor aqui pelo arquiteto Cândido Campos até hoje não foi colocado em prática, pois suporia a demolição dos andares do edifício. Isso não dá para fazer, devido às atividades acadêmicas que ocorrem ali dentro. Quem sabe um dia, caso o uso do espaço seja menor, essa redução do conjunto possa ser feita”, esclarece Nara.
O prédio nos dias de hoje
Hoje, mais de dois séculos depois de sua inauguração, o edifício passa por uma série de dificuldades que evidenciam o passar do tempo e a falta de orçamento para manutenção de prédios históricos. Maurício Castilho, coordenador de Preservação de Imóveis Tombados (Coprit/ETU), esclarece que a sede do Ifcs se encontra com as instalações prediais defasadas, principalmente, da parte elétrica, hidráulica e de combate a incêndio e pânico, por questões orçamentárias.
“A Coprit enviou para a contratação os projetos completos para restauração e modernização, mas eles não puderam ser contratados, pois não havia recursos suficientes. Desta forma, encaminhamos o projeto para o Edital do Fundo de Direito Difuso do Ministério da Justiça, porém ainda não houve resposta, apesar de o projeto ter sido aprovado na primeira fase”, informa.
Atualmente, o ETU trabalha para a contratação de projeto básico e executivo para modernização da rede elétrica, reforma hidrossanitária, combate a pragas, além da liberação de verba para contratação de manutenção predial para os imóveis tombados sob responsabilidade da UFRJ. Todos esses processos se encontram na Pró-Reitoria de Gestão e Governança (PR-6). Segundo Castilho, as fachadas do edifício também precisam de reforma, mas não podem sofrer intervenção, já que fazem parte de uma ação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que prevê sua consolidação.
Outro problema enfrentado pelos frequentadores do Ifcs é a falta de segurança no entorno, com uma série de relatos de assaltos e agressões a alunos, professores e trabalhadores. De acordo com Robson Gonçalves, assessor de segurança da Prefeitura Universitária, as autoridades da instituição estão em contato direto com os batalhões de polícia militar responsáveis pela segurança nas adjacências dos campi. No caso do Ifcs, foram realizadas reuniões com o 5° Batalhão de Polícia Militar para que os efetivos de segurança sejam reforçados no entorno do Instituto, com policiamento em pontos estratégicos – sobretudo aqueles de grande fluxo da comunidade acadêmica.
“Vale lembrar que é extremamente importante o registro das ocorrências por parte do corpo social da UFRJ, a fim de que sejam fornecidas informações qualificadas e precisas para justificar o reforço policial, orientando o patrulhamento e as investigações das forças de segurança pública. O Centro é uma área que lida de maneira crônica com a violência. E isso, infelizmente, se estende para muito além da esfera de atuação da UFRJ, sendo competência das polícias civil e militar.”
Parte da história de cada um
A relevância histórica e arquitetônica do prédio se junta à importância afetiva que os espaços universitários têm na vida de seus estudantes e trabalhadores. Patrícia Silva é servidora do Ifcs há quatro anos, diz que se orgulha de conviver no dia a dia com um pouco da história do país e defende a preservação do patrimônio para o desenvolvimento da humanidade.
“Olhar aquelas belas escadas é encantar-se diariamente. A beleza arquitetônica tem o poder de trazer consolação na tristeza. Acredito que os alunos compreendem a importância da história do prédio e se sentem honrados e felizes por passarem quatro anos de suas vidas naquele espaço”, ressalta.
A experiência de Vitor Matos, pós-graduando em Sociologia e Antropologia no Ifcs e servidor do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Econômico e Social (Nides), mostra como conhecer os espaços que a Universidade oferece pode auxiliar na trajetória acadêmica, profissional e pessoal. Na UFRJ desde 2010, Matos passou pela graduação, especialização e mestrado sem frequentar o Ifcs, estando sempre entre a Cidade Universitária e o campus da Praia Vermelha. Foi só no doutorado que esse prédio histórico se tornou parte do seu dia a dia.
“Sempre tive a sensação de que se tratava de um lugar diferente dos demais, causando uma mistura de curiosidade pela sua história, de deslumbre pela sua arquitetura e de orgulho por ele pertencer à UFRJ”, comemora.
Como chegar
O prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais está em uma área central da cidade do Rio de Janeiro e pode ser facilmente acessado por meio de transporte público. Próximo à Rua Uruguaiana e ao Largo da Carioca, os visitantes que preferirem utilizar o metrô podem desembarcar nessas estações. Caso prefiram utilizar o VLT, devem descer no ponto do Largo da Carioca, Sete de Setembro, Rio Branco ou Tiradentes. Também é possível chegar ao edifício por meio de uma série de linhas de ônibus que transitam pela área. De carro, é possível parar em estacionamentos privados no entorno.
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