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Maior universidade federal do Brasil não tem verba para funcionar nos próximos meses

“Temos dinheiro para pagar apenas serviços básicos como água, luz, segurança e limpeza até o mês de agosto”, destaca Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças

Atualizado às 21h26 de 15/6/2022

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) recebeu do governo federal a notícia de um corte de R$ 3,2 bilhões na verba discricionária das universidades e institutos federais. Após pressão dos segmentos do setor, no dia 3/6 o Ministério da Educação anunciou que o valor seria de R$ 1,6 bilhão. Orçamento discricionário é a verba de que a instituição dispõe para bancar seu custeio (água, luz, limpeza, segurança) e investimento (infraestrutura física). Por isso, o bloqueio proposto pelo governo federal impõe restrições à manutenção das atividades acadêmicas nos próximos meses. 

Após os sucessivos cortes e bloqueios, a continuidade dos serviços básicos está comprometida. Sem orçamento discricionário para realização de atividades básicas para os próximos meses, a UFRJ será obrigada a interrompê-las até o restabelecimento das condições mínimas para exercício de suas funções educacionais. A reitora, Denise Pires de Carvalho, elucida o cenário vivenciado pela instituição:

“Teremos que realizar cortes nos contratos de segurança e limpeza, além de deixar de pagar à concessionária de energia, água e esgoto. Devido aos sucessivos cortes, as obras de manutenção e combate a incêndios serão paralisadas. Temos dinheiro para pagar apenas serviços básicos como água, luz, segurança e limpeza até o mês de agosto. Queremos oferecer à comunidade acadêmica um ambiente seguro para continuidade das atividades, mas com os sucessivos cortes e bloqueios torna-se complicada a nossa missão”. 

A UFRJ iniciou o ano de 2022 com valor orçamentário de aproximadamente R$ 329 milhões, que não corrigia as perdas inflacionárias com relação a 2021. O repasse proposto pelo governo federal para o ano vigente impõe à instituição limitações para sua atuação. A verba inicialmente disponibilizada pelo governo já configurava a impossibilidade de terminar o ano de 2022 sem dívidas milionárias. Com o bloqueio e o corte, a situação se agravou. 

“Foram bloqueados cerca de R$ 23 milhões. Desses, R$ 12 milhões já foram cancelados, remanejados pelo governo federal para outros ministérios, para pagamento de despesas obrigatórias. Com isso, então, nosso orçamento já caiu para R$ 317 milhões, com a chance de cair para algo em torno de R$ 305 milhões. É um orçamento muito aquém do que a UFRJ precisa. Lembrando que, na discussão do orçamento do ano passado, reivindicávamos, pelo menos, o orçamento de 2019 corrigido pela inflação – o que corresponderia a cerca de R$ 374 milhões. A estimativa é de que o orçamento discricionário mínimo para a UFRJ esteja entre R$ 390 e 400 milhões para o funcionamento adequado, e estamos, provavelmente, ficando com um orçamento com quase R$ 100 milhões abaixo desse valor. Isso, evidentemente, trará consequências para o funcionamento da Universidade”, salienta Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças.

A estimativa é de que todos os pagamentos estejam assegurados apenas até o fim do mês de agosto. Por obrigação contratual, as empresas devem dar garantias de manutenção dos serviços até 60 dias após o último mês pago. “Até outubro, contávamos em honrar os compromissos e iríamos administrar em novembro e dezembro os casos emergenciais. Agora, o bloqueio e o cancelamento estão antecipando esse cenário para agosto. Então, setembro, outubro, novembro e dezembro estariam descobertos. A gente estima o impacto de empresas parando entre setembro e outubro. E, sinceramente, sem as reversões do bloqueio e com este corte, parece inevitável”, explicou o pró-reitor.

Desde 2015, as universidades federais estão sofrendo cortes sucessivos no orçamento discricionário. A exemplo disso, no ano de 2021, a UFRJ contou com um orçamento de R$ 299 milhões – o menor da década –, tendo registrado uma queda de R$ 75 milhões em relação ao ano de 2020, que também já havia sido alvo de cortes. Em contraposição, as universidades federais se destacam pelo reconhecimento alcançado frente ao combate ao coronavírus e à varíola dos macacos, além do diagnóstico e tratamento do Alzheimer, câncer, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica. Sem contar as contribuições para o pré-sal.

Durante o cenário pandêmico, a UFRJ atuou de forma remota, o que não descaracterizou a excelência de ensino da instituição e a promoção da ciência. O retorno presencial aumentou a expectativa de um maior investimento na educação após tanto tempo de espera, o que não aconteceu. Mesmo com aulas remotas e com o sucateamento educacional, a UFRJ foi avaliada como a melhor universidade federal no QS World University Rankings 2023 e a melhor universidade federal segundo o World University Rankings 2022-23 (Center for World University Rankings [CWUR], dos Emirados Árabes). 

Os sucessivos cortes e bloqueios não afetam somente a manutenção dos serviços de água, energia elétrica, prevenção de incêndio, segurança e limpeza, mas também impedem a ampliação de políticas de assistência estudantil, que se demonstram urgentes devido à característica socioeconômica do corpo estudantil das universidades. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 7 em cada 10 estudantes das universidades públicas são atualmente de baixa renda.

Cenário dramático

Para Eduardo Raupp, o cenário é lastimável. “Nesse momento não deixamos a assistência estudantil ser atingida. Estamos preservando as bolsas e auxílios, mas, se nada mudar, diversos investimentos serão afetados e terão que ser postergados, a exemplo dos projetos de benfeitorias no entorno do alojamento estudantil. Todas as intervenções que permitiriam o funcionamento adequado do novo bloco e do entorno estarão comprometidas”, lamentou.

Segundo o Conselho Universitário (Consuni), órgão máximo da UFRJ, o bloqueio e o corte representam “uma opção política, num contexto de recordes de arrecadação em que o governo escolhe sacrificar a educação, a ciência e a tecnologia para se ajustar ao Teto de Gastos, preservando seu orçamento secreto”.

Atualmente, a UFRJ tem cerca de 54.500 estudantes de graduação (presencial e a distância) e aproximadamente 15.700 estudantes de pós-graduação (especialização, residência médica, mestrado e doutorado). Deixar de fornecer o investimento significa privar esses estudantes do direito à educação. 

“A UFRJ é a maior e mais antiga instituição federal de ensino do Brasil. Zelar pela manutenção da UFRJ é zelar pela difusão do conhecimento e da ciência. Não voltaremos ao ensino remoto para fazer economia, porque economizar agora vai custar muito caro para o país”, enfatiza a reitora, Denise Pires de Carvalho.

Diante do cenário descrito, o desbloqueio total e o retorno do orçamento cancelado são urgentes, assim como uma recomposição orçamentária e a revogação do Teto de Gastos, para permitir que a UFRJ e as demais universidades federais possam manter a qualidade do ensino, a produção de pesquisas de ponta, as iniciativas de extensão, as políticas de permanência e assistência estudantil, as reformas estruturais, o funcionamento dos seus campi – e portanto, seu papel de servir à sociedade.