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Sem glamour: trabalhadores da cultura enfrentam desafios e instabilidade

Com crescimento de pessoas jurídicas no setor, a maioria se torna empreendedora por falta de opção

Profissões como a de atores, músicos, bailarinos e artistas, em geral, normalmente, são bastante aplaudidas e idealizadas. No entanto, apesar de estarem no palco, o que acontece nos bastidores nem sempre tem glamour. Devido ao aumento de relações de trabalho no formato de pessoa jurídica, as reclamações vão desde a necessidade de aceitar muitos trabalhos para conseguir manter uma renda suficiente até a dificuldade de se planejar e descansar. Além de artistas, o setor inclui ainda produtores culturais, técnicos de som e de iluminação, produtores musicais, entre outros, que também enfrentam as mesmas questões.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em dezembro do ano passado, 4,8 milhões de pessoas trabalhavam no setor cultural em 2020, 5,6% da população empregada no Brasil. De acordo com a pesquisa, publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas empregadas na indústria cultural brasileira naquele ano caiu 11,2% em comparação ao anterior, quando 5,5 milhões de pessoas trabalhavam no setor. O recuo está relacionado à pandemia da covid-19, que diminuiu drasticamente os eventos presenciais no período.

A flexibilização do isolamento, no entanto, tem permitido a retomada da cultura, fazendo com que novos postos de trabalho se abram no setor. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de empregados no setor cultural do país atingiu 5 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2021, superando a quantidade de ocupados em 2020, mas ainda sem recuperar o patamar de 2019.

Dados do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), também divulgados pelo IBGE, apontam que, em 2020, havia um predomínio de Microempreendedores Individuais (MEI) em relação a trabalhadores no regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Segundo as informações publicadas, os profissionais atuantes como empreendedores representavam a maioria dos atuantes na indústria cultural do país (41,6%), seguidos dos trabalhadores com carteira assinada (37,7%) e dos trabalhadores sem carteira (11,3%).

Pessoa Jurídica x Pessoa Física

De forma geral, a alta taxa de trabalhadores atuando como pessoa jurídica se deve, principalmente, ao desemprego estrutural e à diminuição das rendas familiares, fatores que impulsionam os trabalhadores a deixarem o sistema CLT e optarem pelo outro modelo, a fim de aumentarem seu orçamento. Mais especificamente no setor cultural, isso se deve também ao fato de a maioria dos contratados trabalhar por projeto, normalmente num período curto de tempo.

Enquanto no sistema CLT, o registro do trabalhador é feito por meio do Cadastro da Pessoa Física (CPF), o MEI é registrado por meio do Cadastro da Pessoa Jurídica (CNPJ). Ligado a uma empresa específica, no primeiro regime, o empregado garante segurança e estabilidade financeira, mas seu salário líquido tende a ser menor, em virtude principalmente da taxa de contribuição dada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Por outro lado, o MEI trabalha por conta própria e não tem direito a tantos benefícios, mas sua renda líquida tende a ser maior.

Paula Trovão é uma atriz e produtora cultural que trabalha de maneira autônoma, prestando serviços como Microempreendedora Individual (MEI). Sua principal relação com a cultura se deu por meio do teatro, mas, entendendo que trabalhar apenas como atriz seria muito difícil, optou por fazer uma graduação em Produção Cultural também. Formada no final de 2019, a produtora nunca teve sua carteira assinada porque, quando se formou, o mercado cultural já estava majoritariamente voltado para o trabalho autônomo.

Paula Trovão em cartaz como atriz. | Foto: Paulo Borges

Ela havia acabado de se formar quando a pandemia da covid-19 desestruturou diferentes setores da economia. Vários dos projetos em andamento para o ano de 2020 foram paralisados devido ao isolamento social, e a produtora teve que encarar um período difícil, já que seu trabalho está relacionado à realização de eventos presenciais, impossibilitados nos últimos anos. “Não sabia nem para onde correr.” Apesar disso, Paula diz que teve o privilégio de morar com seus pais e ter suas contas pagas, mas aponta que, ao contrário dela, muitos profissionais envolvidos no mercado da cultura ficaram desamparados.

Segundo ela, a falta de estabilidade financeira e a desvalorização das profissões artísticas dificultam e desestimulam o trabalho com cultura no país. Apesar de não ter vontade de sair do Brasil, a produtora admite: “A nível de estabilidade, a gente é tentado a sair”.

Diferentes realidades

Muitos profissionais deixam o país para trabalhar com cultura sob melhores condições no exterior. Residindo na Europa há quase dez anos, a bailarina contemporânea Thamiris Carvalho foi convidada para fazer parte de uma companhia de dança em Portugal em 2013 e, desde então, não retornou. No entanto, ela também se frustrou com as condições de trabalho no país. “Em Portugal, encontrei os mesmos padrões, exigências e precariedades que há no Brasil”, conta a brasileira. Após anos enfrentando instabilidades similares no país lusófono, ela migrou para a Alemanha em setembro de 2021, onde está atualmente.

Lá, Thamiris trabalha como bailarina no Dance Theater Heidelberg. Seu regime de trabalho é contratual e ela conta com diversos benefícios trabalhistas. Apesar das boas condições para se trabalhar com cultura, a profissional afirma que tem sentido seu trabalho se tornar mecanizado. “Aqui tem melhores condições para ser uma trabalhadora da cultura, mas, por outro lado, nesse regime em que eu estou, você vira uma máquina.” A temporada de apresentações, que dura dez meses, pode contar com até cinco espetáculos. Consequentemente, os profissionais têm um curto período de recuperação entre as produções.

Thamiris acumula diferentes experiências na área cultural. | Foto: Catherina Cardoso

A bailarina acredita que, no Brasil, há muitas possibilidades de se trabalhar com cultura, mas as condições de emprego são precárias. Ela conta que, quando morava no Rio de Janeiro, tinha mais de um trabalho para conseguir aumentar sua renda: “Eu não conseguia focar em nada, porque eu tinha que ganhar dinheiro e me virar com o que tinha”, conta. Apesar de ter vontade de voltar ao Brasil, Thamiris diz que o cenário econômico no Brasil dificulta o trabalho com cultura. “As pessoas estão tendo que lutar não só para ganhar o pão de cada dia, mas para conseguir viver de uma maneira sã. Com todas as questões políticas e sociais, está sendo bem difícil viver de qualquer coisa”, lamenta.

Apesar das dificuldades, Paula defende que fazer cultura é algo que genuinamente faz a diferença para a sociedade e que ter entendido isso é o que a ajuda a não desistir:

“Arte é comunicação e tudo comunica, não importa se é ópera ou teatro. O que me move é exatamente o que a gente quer dizer. Num teatro com mil pessoas pode ser que só uma entenda. Mas, se uma entendeu, valeu a pena”

Paula Trovão, atriz e produtora cultural




Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Tassia Menezes.