No ano em que se completam nove décadas da conquista do voto feminino, apostar na força das mulheres é uma estratégia plausível, já que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de eleitoras registradas (77,6 milhões) supera a quantidade de homens (70,2 milhões). A União Interparlamentar, organização internacional responsável pela análise dos parlamentos mundiais, mostra que dentre 192 países, o Brasil aparece na 142° colocação do ranking de participação de mulheres na política, área ainda predominantemente masculina. A tendência, porém, é de mudanças no futuro com novas leis voltadas para aumentar a participação feminina.
Estará em vigor, nas eleições de outubro deste ano, uma mudança aprovada pelo Congresso em 2021 para estimular os partidos a apoiarem a diversidade: a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e negros para a Câmara dos Deputados para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e eleitoral.
De acordo com a cientista política Mayra Goulart, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs/UFRJ), a estratégia de concorrer ao voto das mulheres está correta, mas apenas em parte. Segundo ela, a escolha dos candidatos a cargos eletivos ocorre por duas formas: a de representação descritiva e a de representação substantiva. Na primeira, no caso das virtuais eleitoras de candidatas mulheres, há uma identificação com o corpo feminino e com o que ele representa, mesmo quando a eleitora não concorda integralmente com as propostas e as ideias da candidata; na outra, ocorre uma identificação sob a perspectiva das ideias, sob a forma como a candidata defende as propostas que são anseios femininos.
Para a professora do Ifcs, alguns postulantes aos cargos majoritários já perceberam que há um grupo de mulheres que não se identifica com nenhum dos líderes das pesquisas. Mas a adesão do eleitorado feminino não é assim tão fácil, uma vez que depende do interesse dessas mulheres, da questão substantiva. Segundo Goulart, é difícil se apresentar uma candidatura feminina sem ter essa identificação imediata com o feminismo, que seria uma pauta, atualmente, apropriada pela esquerda.
De acordo com a docente, maior quantidade de mulheres eleitas representa um avanço que vai contra o sexismo político, aquele que cria barreiras de acesso imensas desde a infância, para que as mulheres não ocupem cargos de poder. “A presença de mulheres, por si só, independente das ideias que defendem, já representa uma forma de destruir o machismo estrutural no futuro. As jovens mulheres, só de ver outras mulheres em postos de comando, passam a observar naqueles corpos uma possibilidade. Em sua mente, aquele é o lugar onde elas poderão estar”, assegurou, ressalvando que na questão étnica ocorre o mesmo.
Goulart destacou que com a alteração na legislação, os partidos vão selecionar mulheres mais competitivas para compor suas nominatas. “Essa legislação é interessante, pois rentabiliza os votos que as mulheres têm de fato. E isso faz com que os partidos escolham mulheres com maiores chances. É por isso que eu acredito que este ano a gente vai ter mais mulheres sendo eleitas na Câmara”, afirmou.
Apesar de destacar a relevância da representação descritiva, a professora da UFRJ questiona o motivo de serem encaradas como válidas apenas pautas relacionadas ao feminismo na questão substantiva, como o direito ao aborto ou de mais creches. “Por que essas representantes não podem se dedicar também a pautas de economia, de distribuição de renda, de macroeconomia – que afetam as mulheres e que também representam os interesses delas? Entendemos que as deputadas podem representar um tipo de mulher, uma trajetória, um perfil, um conjunto de ideias. Elas podem se agrupar ou não. Mas essa diversidade encontra eco na sociedade, pois as mulheres não têm uma pauta única, um perfil único. A pluralidade de representantes ecoa uma pluralidade do tecido social, da não existência de um único ideário de mulher. São mulheres sempre no plural”, concluiu.