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Terras indígenas e quilombos conservam e recuperam áreas devastadas da Amazônia

Há evidências que mostram que esses territórios podem até ser mais eficazes do que as áreas protegidas formais para conservação e resgate da vegetação nativa

Pela primeira vez, um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com universidades do Reino Unido, Dinamarca, Estados Unidos, Suíça, Austrália e Polônia, além de outras instituições de conservação ambiental internacionais, demonstra como são importantes para a conservação e recuperação da vegetação nativa da Amazônia brasileira os territórios indígenas e quilombolas. Segundo o trabalho, publicado na revista internacional Biological Conservation, em fevereiro, chega a ser 17 vezes menor a devastação em algumas dessas áreas.

Na Amazônia brasileira, as áreas de controle consistem principalmente de assentamentos rurais, terras públicas não destinadas e terras privadas. Embora alguns dados demonstrem que as unidades de conservação e as terras Indígenas contribuam para reduzir o desmatamento, poucos estudos abordaram territórios quilombolas, e jamais houve avaliação do papel na promoção da recuperação da vegetação.

Em uma análise comparativa, realizada por emparelhamento estatístico de dados em dois períodos distintos, foram avaliados quatro tipos de áreas com diferentes governanças no Brasil: as unidades de conservação (UC, tanto as de uso restrito quantos a de uso sustentável, previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC); as áreas indígenas e os territórios quilombolas. “A metodologia empregada permite que se considerem diversas covariáveis (como, por exemplo, distância de um ponto da estrada, ou de outros pontos de desmatamento, elevação do terreno, pluviosidade etc.) e que se comparem pontos protegidos e não protegidos com características semelhantes. Se compararmos uma área protegida perto de uma estrada com outra longe de uma estrada, provavelmente a primeira terá mais desmatamento, pois sofrerá mais com o efeito da proximidade da via”, explicou Helena.

A análise considerou o espaço de tempo em que houve uma queda nas taxas de desmatamento na Amazônia (2005 a 2012) e o intervalo em que ocorreu estagnação ou ligeiro aumento de perda da floresta (2012 a 2017).Os territórios indígenas e unidades de conservação de uso restrito perderam respectivamente 17 e cinco vezes menos cobertura vegetal nativa do que as áreas desprotegidas entre os anos de 2005-2012. Da mesma forma, os territórios quilombolas tiveram taxas de perda de vegetação nativa cinco, seis vezes mais baixas do que nas regiões de controle sem proteção. Os resultados também demonstram que entre 2012-2017 os territórios indígenas e quilombolas contribuíram duas a três vezes mais para a recuperação da vegetação nativa.

Para a pesquisadora Helena Alves Pinto, em meio ao crescente número de notícias sobre invasão por mineradores, madeireiros e grileiros de áreas protegidas, agora há dados concretos que evidenciam a importância dos territórios indígenas e outras comunidades locais para a conservação da natureza. “Embora a Constituição tenha concedido direito à terra a esses povos, é lento o processo de regularização, em um momento em que o planeta tem urgência para atenuar os efeitos das mudanças climáticas”, informa.

Segundo Helena, os resultados obtidos demonstram que diferentes regimes de governança em comunidades locais de povos indígenas ou tradicionais podem ser mais eficazes do que áreas protegidas formais ao promover a conservação da vegetação nativa e promover o regaste. “Nossas descobertas contribuem para o reconhecimento de potenciais OECMs (outras medidas efetivas de conservação baseadas em área) brasileiras, que são essenciais na conservação da biodiversidade nos próximos anos, em especial, para a década que a ONU estabeleceu para restauração do ecossistema, a Década da Restauração de Ecossistemas (2021 a 2030). É muito importante que ocorra uma movimentação em diversos setores do governo para que isso ocorra. Primeiro é necessário que tenha a discussão sobre o tema das Áreas Protegidas e OECMs dentro do governo, o que será necessário inclusive para a próxima COP de biodiversidade, que ocorrerá ainda este ano na China”,disse Helena.

O Brasil precisar formalizar o que devem ser as suas OECMs e iniciar o seu processo de formalização e criação, de acordo com a pesquisadora da UFRJ. “É fundamental também que haja suporte e priorização na demarcação de territórios indígenas e quilombolas. No país há uma lista enorme de povos quilombolas na espera de demarcação e formalização de seus territórios, o que é fundamental para reduzir invasões, por exemplo. O governo não deveria incentivar, mas punir ativamente atividades como grilagem, garimpo e exploração de madeira ilegais, principalmente nos territórios ocupados por essas populações”, concluiu.