O laboratório Conexões do Clima, vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, publicou, hoje (1º/10), o primeiro relatório de combate à desinformação científica, com resultados sobre como a questão do “tratamento precoce” contra a COVID-19 apareceu no YouTube nos últimos meses. Trata-se daquele procedimento defendido pelo presidente Jair Bolsonaro na assembleia de abertura das Nações Unidas que prega o uso de medicamentos ineficazes no combate ao coronavírus. De acordo com o documento, há grande destaque para a presença da empresa Prevent Senior, que atua no mercado de planos de saúde para idosos, e sua articulação com o governo federal.
Criado em novembro de 2020 e composto de especialistas de diversas disciplinas da Universidade (Biologia, Comunicação, Filosofia, História, entre outras), o laboratório tem a proposta de não só evidenciar questões que giram em torno dos debates sobre clima, mas também de discutir a relação entre ciência e sociedade, e, mais especificamente, a desinformação.
“O Conexões do Clima é um laboratório que investiga a desinformação a respeito de temas de impacto em políticas públicas. Isso é absolutamente relevante neste momento de crise entre ciência e política”, afirmou Tatiana Roque, que coordena o laboratório e ocupa o cargo de coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.
Nos últimos meses, os pesquisadores analisaram o conteúdo sobre o tema “tratamento precoce” na maior plataforma da internet voltada para vídeos. O objetivo era avaliar como se dava a indicação de medicamentos sem eficácia comprovada no combate à COVID-19 por meio do YouTube. O procedimento sem embasamento passou também a constar em documentos do Ministério da Saúde e ter definições semelhantes em abordagens de outros diversos defensores, tais como “tratamento imediato”, “tratamento inicial” ou “protocolo precoce”.
Para as pesquisadoras que assinam o relatório, Fernanda Bruno, Isabela Kalil e Tatiana Roque, o termo foi utilizado como uma estratégia de comunicação por meio do qual a extrema direita brasileira mobilizou parcela da sociedade para obtenção de ganhos econômicos e políticos.
Segundo Roque, está claro que o objetivo “era propagandear um tratamento precoce para a pandemia a fim de não empregar outras medidas, como o uso de máscaras e o distanciamento social”, afirma.
Durante pouco mais de uma semana do mês de maio, o Conexões do Clima e a empresa especializada Novelo Data baixaram os conteúdos digitais publicados em diversos canais. Vale ressaltar que o período de extração dos dados da plataforma antecedeu à iniciativa do YouTube de retirar os conteúdos que propagavam desinformação ou foram até deletados pelos próprios produtores. O que permitiu que até 11 vídeos do canal de Jair Bolsonaro, posteriormente apagados, tenham sido incluídos na amostragem.
No total, foram 785 vídeos coletados, entre março de 2020 e maio de 2021, posteriormente divididos em três grupos: os favoráveis ao tratamento precoce, os contrários ao tratamento precoce e aqueles em que não foi possível averiguar um posicionamento claro e foram considerados neutros. Destaque para seis vídeos postados em abril de 2020 que citavam a empresa Prevent Senior por ter feito a “descoberta” de um tratamento inovador que prescrevia a administração de hidroxicloroquina nos primeiros três dias de apresentação dos sintomas da COVID-19.
“A Prevent Senior foi responsável por inventar o termo ‘tratamento precoce’ e por tentar convencer as pessoas de que a hidroxicloroquina era efetiva se tomada nos primeiros dias de sintomas da doença”, enfatizou Tatiana.
Dentre as conclusões do relatório, ficou evidente para os pesquisadores do Conexões do Clima que o protocolo de indicação de tratamento com hidroxicloroquina já estava na pauta dos médicos que auxiliavam o governo, como Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto, mas a aproximação com a Prevent Senior teve o papel-chave de esclarecer acerca do uso precoce. Para ler o conteúdo completo do relatório, clique aqui.