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Opinião

Da Sala de Aula: O professor tá on(de?): ensino em tempos de pandemia

Em relato pessoal, a professora de dança Elaine Cristina fala sobre a nova configuração de sala de aula com a chegada da pandemia

Começo este texto fazendo uso de uma expressão que tem se popularizado atualmente: “tá on!”. Ao realizar uma pesquisa simples em sites de busca, é possível encontrar definições como: estar na área, estar on-line e até mesmo estar solteiro, disponível, quando se diz “O pai tá on!”. Eu, enquanto professora em tempos de pandemia, fico com a definição on-line, já que é assim que os profissionais da educação têm passado a maior parte do tempo, disponíveis em redes sociais ou plataformas de ensino.

Contudo, emprego a expressão com um trocadilho, para perguntar: o professor tá onde? Porque, apesar de estar on-line, disponível, o professor parece não estar sendo visto, já que não é ouvido nas decisões referentes ao ensino que tem sido ofertado aos alunos durante este período pandêmico.

O que tem acontecido neste período é uma sobrecarga de atividades. Eu, em alguns momentos, me pergunto: qual é a minha função? Em outros, me vejo realizando várias atribuições ao mesmo tempo. Há momentos em que me vejo desempenhando o papel de um professor conteudista da EAD, que elabora recursos de ensino, seleciona conteúdos e prepara material indefinidamente. Mas, aí, eu me lembro de que o ensino remoto não é a mesma coisa que EAD e, mais uma vez, me questiono: por que preciso fazer isso? De que forma esse material vai contribuir para a vida escolar dos alunos?

Além da função de professora conteudista, durante todo este período de pandemia eu já me senti tutora e, somente em poucos momentos, de fato, professora. De repente, sou atropelada pela burocracia, pelo preenchimento excessivo de planilhas, relatórios, materiais que eu também não tenho certeza se contribuirão para o desempenho dos alunos, do trabalho dos professores e dos demais funcionários da equipe pedagógica da escola.

Fato é que a inabilidade de algumas redes de ensino em lidar com a situação da pandemia tem sobrecarregado os profissionais da educação, com tarefas que são questionáveis quanto à atribuição do cargo desses profissionais e à eficiência no uso desses materiais.

Eu, como professora de Dança, uma professora da disciplina de Artes, me recordo neste momento de João-Francisco Duarte Jr., que, em seu livro Por que Arte-Educação?, nos mostra que a arte, em nossa sociedade, que prioriza a razão, se afasta do nosso cotidiano, automaticamente preenchido apenas com trabalho utilitário, não criativo, alienante.

Pois é exatamente assim que me sinto neste momento. Não romantizo o exercício do magistério, mas a beleza encontrada no desempenho desta função tem se afastado de nós.

No momento em que escrevo este texto, outubro de 2021, o Brasil bate tristes recordes nos números de mortes por Covid-19, se aproximando do total de seiscentos mil mortos. Ainda assim, as redes de ensino decidiram pelo retorno das aulas presenciais.

Eu não me oponho ao ensino remoto e acredito que o retorno ao ensino presencial só deveria acontecer quando houvesse, de fato, condições seguras. Posso listar aqui uma variedade de itens que vão contra o retorno, especialmente na rede pública de ensino: instalações inadequadas, com impossibilidade de se manter a higienização necessária para o momento; carência de profissionais para cuidar da limpeza da unidade escolar de forma segura; salas pouco ventiladas; professores que pertencem ao grupo de risco para Covid-19; transporte público em péssimas condições, dentre outros.

O meu questionamento é com relação à inabilidade de as redes de ensino criarem estratégias para que o trabalho dos profissionais da educação não seja excessivamente exaustivo. É fundamental que os mecanismos utilizados atinjam um número maior de alunos, já que há casos de estudantes com dificuldades de acesso à internet, ou ainda que não dispõem de equipamentos eletrônicos necessários para acessar às aulas. É fato que a situação da pandemia de Covid-19 nos pegou de surpresa, como algo novo, inesperado. Mas, passados dezesseis meses, já era esperado que alguma estratégia fosse pensada para minimizar os impactos negativos das estratégias de ensino utilizadas até o momento.

Gosto da definição de educação dada por Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino no livro Flecha no Tempo. Os autores trazem a experiência, a aprendizagem, a ética e o conhecimento como elementos que formam a educação. Dizem ainda que a educação trata dos seres e das suas capacidades de elaborar e compartilhar sentidos nas relações. E eu, especialmente neste momento, tenho dificuldade em encontrar sentido em algumas relações estabelecidas no modelo de ensino remoto, isso quando essas relações acontecem. Dessa forma, as possibilidades de linguagem vêm sendo omitidas por razões diversas, como a dificuldade de acesso às aulas, por exemplo.

Em sua recente publicação, intitulada A Cruel Pedagogia do Vírus, Boaventura de Sousa Santos fala sobre os potenciais conhecimentos decorrentes da pandemia do coronavírus e analisa a quarentena a partir da perspectiva de grupos que já sofriam com as injustiças sociais. Dentro desses grupos, ele inclui os moradores pobres das periferias das cidades. Se analisarmos as escolas públicas das regiões periféricas das cidades, veremos o quanto essas instituições vêm sendo atingidas pela pandemia, com a sobrecarga de trabalho dos profissionais da educação e a insuficiência das estratégias de ensino remoto adotadas.

Se é possível tirarmos algum ensinamento deste momento tão difícil que vivemos, o meu desejo é que os profissionais da educação possam refletir a respeito de todas essas questões que têm nos afetado de forma direta. E que os conhecimentos gerados a partir dessa situação de crise possam mobilizar a categoria a continuar na luta pelos seus direitos e por uma educação pública de qualidade.

Refletindo um pouco a respeito da minha trajetória no magistério, percebo que a maior parte das minhas recordações são boas. Acredito que todo profissional, independentemente da área de atuação, passe por situações difíceis, momentos de dúvidas, e comigo não foi diferente. Entretanto, o exercício do magistério sempre me trouxe satisfação, apesar das dificuldades. Era desafiador planejar as aulas, pensar sobre as expectativas dos alunos, mudar o planejamento porque a resposta dada pela turma me trazia outras possibilidades de ensino e aprendizagem, não pensadas anteriormente.

Nunca encarei o magistério como sacerdócio, diferentemente de muitos colegas de profissão. Lecionar exige estudo e dedicação. Apesar de nós, professores, nunca termos tido o devido reconhecimento do nosso trabalho por uma grande parcela da sociedade, ainda assim era possível experimentarmos momentos de realização.

Ser professor em tempos de pandemia, especialmente na rede pública de ensino, tem sido uma tarefa enfadonha. Somos desrespeitados, atacados, acusados de não querer trabalhar. Algumas vezes, os ataques partem até mesmo de outros profissionais da educação que, por atuarem na rede privada de ensino, consideram os profissionais da rede pública privilegiados.

O momento deveria ser de união entre a categoria. Mas, como tenho a ciência de que o meu desejo é uma utopia, permito-me sonhar com a imunização da população.

Elaine Cristina Marques de Oliveira Nascimento
Professora de Dança (Artes) na rede pública de ensino
Mestranda em Dança − PPGDan/UFRJ