A pandemia de COVID-19 trouxe dias difíceis também para os animais. Desde meados de março de 2020, com o início das medidas de contenção da disseminação do vírus Sars-CoV-2 no estado, os abandonos de cães e gatos no campus da Cidade Universitária têm aumentado. Com a diminuição da capacidade de atendimento e a falta de recursos decorrente dos sucessivos cortes orçamentários na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Serviço de Monitoramento Animal e Ambiental (Sema), vinculado à Prefeitura Universitária (PU), enfrenta uma fase crítica.
Criado em 2015 para atuar na elaboração de propostas e administração de procedimentos que envolvam os animais comunitários, o Sema promove ações contra o abandono de animais e pela conscientização da guarda responsável e preservação da fauna natural dos campi da UFRJ. Hoje existem no órgão cerca de 40 peludos resgatados, bem mais do que sua capacidade máxima. “Antes da pandemia eram abandonados dois por mês, mas agora são mais de 20. Não damos conta de todos. Já não temos mais onde colocar cachorros e gatos”, lamenta Antônio Avelino, presidente da Associação de Moradores da Vila Residencial (Amavila) do Fundão, colaborador da PU e um dos responsáveis pelo Sema.
Devido às restrições orçamentárias que a Universidade atravessa, não há recursos específicos para o serviço de ajuda aos animais abandonados. Então, os abrigos do Sema são mantidos, cada vez com mais dificuldades, por meio de doações e trabalho voluntário.
“É muito doloroso testemunhar o abandono de cães e gatos no campus. Deveria haver maior fiscalização e punição sobre esse tipo de violência contra os animais, pois é um problema que não para de crescer e, infelizmente, nós não dispomos da infraestrutura e dos recursos financeiros necessários para atender todos os pedidos de resgate que chegam. Gastos com saúde, alimentação, limpeza e demais cuidados diários exigem um montante que ultrapassa a nossa capacidade. Dessa forma, pedimos ajuda a toda a comunidade acadêmica da UFRJ para que adotem os nossos animais. Apenas animais castrados, vacinados, chipados e dóceis estão disponíveis para adoção. E, caso não possam adotar, procurem o Sema ou a Prefeitura Universitária e doem remédios e ração para que os nossos animais continuem saudáveis e bem tratados”, pede Avelino.
O papel dos voluntários e a luta por mais investimentos
Com a pandemia e a adoção do trabalho em home office em muitos setores da instituição, o número de voluntários, que já era pequeno, caiu sobremaneira. Larissa Morais Viana, aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos do Instituto de Química (IQ) da UFRJ, é uma dos que ajudam os animais da Cidade Universitária, junto com o marido, Cleyton Marcos. Moradora da Vila Residencial, ela conta que tudo começou em 2018, quando estava passeando com seus dois cães e encontrou uma cadela, vagando próximo ao Parque Tecnológico, que parecia ter um tumor na barriga. “Fiquei com pena e comecei a procurar quem poderia ajudar. Foi aí que conheci o Carlos Oliveira, ex-aluno do Centro de Ciências da Saúde (CCS) que vinha praticamente todos os dias ao Fundão alimentar os cães errantes e comunitários. Aos poucos fui me envolvendo e conhecendo outras pessoas que também ajudavam esses animais.”
Larissa, que sempre encontra um tempo livre para cuidar dos animais após o “expediente na faculdade”, conta ainda que todos os voluntários tiram dinheiro do próprio bolso para custear despesas, que complementam com doações de um pequeno grupo de professores, técnicos-administrativos, funcionários terceirizados e simpatizantes da causa. “O prefeito da Cidade Universitária também tem envidado esforços para conseguir ração, transporte para ajudar na ida às clínicas, feiras de adoção etc., para tentar diminuir os gastos dos voluntários”, diz ela.
“Nós estamos empreendendo esforços para reestruturar o Sema, mas os sucessivos cortes orçamentários impedem a criação de um orçamento próprio para o serviço. Os problemas vêm de longa data, são muitos e precisam ser enfrentados. Eles vão desde a falta de conscientização da população de que abandono e maus-tratos são crimes até a falta de estrutura necessária para que o Sema cumpra as suas funções com eficiência”, declara o prefeito da Cidade Universitária, Marcos Maldonado, que pede para que a população denuncie qualquer situação de abandono de animais no campus, entrando em contato com a Coordenação de Segurança, pelos telefones (21) 3105-4456 ou 3938-0331, ou com os vigilantes localizados nas unidades.
“Se for possível, anote a placa, modelo e cor do veículo e horário do abandono para que possamos localizar os responsáveis nas imagens gravadas pelas câmeras de segurança e acionar a polícia. O abandono de animais no Fundão não passará impune. Cuidar dos animais é dever de cada um e de todos nós juntos. Por isso, convocamos a comunidade acadêmica a tomar parte neste processo e adotar os animais vítimas de maus-tratos e que foram acolhidos no Fundão. Estamos também buscando parcerias com diversos órgãos públicos e organizações da sociedade civil para tentar suprir as demandas do Sema, especialmente de alimentação, vacinação e castração desses animais”, declara Maldonado.
Segundo Larissa, o número de animais abandonados realmente cresceu de modo exponencial com o início da pandemia. Muitos casos são delicados e exigem socorro imediato, como mães com filhotes, animais idosos, machucados ou muito doentes que morreriam se não recebessem ajuda rápida. Ela diz que alguns cães e gatos encontrados na Cidade Universitária acabam se tornando animais comunitários e são cuidados por pessoas do corpo social da UFRJ, mas outra parte não encontra suporte e precisa ser socorrida pelo Sema. Mas a pesquisadora reitera: “O Sema é mantido por doações, possui um número muito pequeno de voluntários e sofre com problemas estruturais e com o excesso no número de animais abrigados. Temos capacidade de atender cerca de 10 animais e hoje temos quase 40! Com muito esforço, conseguimos cerca de 60 adoções de cães e gatos neste ano, mas temos urgência em receber novos voluntários para ajudar na limpeza do local, banho e passeio dos animais abrigados atualmente”.
Doações de ração, medicamentos, artigos para bem-estar e diversão dos animais, caminhas e de itens para infraestrutura e manutenção do Sema, como telhas, grades e material de limpeza, também são bem-vindas. “Pode-se também apadrinhar algum animal, garantindo que ele consiga estar apto para adoção o quanto antes. Às vezes acolhemos um animal que fica vários meses esperando termos recursos para que ele seja castrado e vacinado”, completa Larissa.
Uma das pessoas que colabora com essas despesas é Osvaldo Luiz de Souza Silva, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e vice-decano do Centro de Letras e Artes (CLA) da UFRJ. Ele conta que o problema do abandono de animais no campus sempre foi recorrente, mas que agora aumentou bastante. “A pandemia tornou mais complexa a lida”, resume o professor, que diz ainda que muita gente “torce o nariz” para a causa animal. O arquiteto salienta: “Todos os voluntários se dedicam e as adoções acontecem. Claro que em número inferior em relação aos abandonos e nascimentos. A angústia é a nossa acompanhante. Às vezes as adoções nos ajudam a seguir.”
Experiente, o arquiteto opina que a Universidade, para lograr êxito no problema do abandono no campus, “precisaria de um centro de tratamento emergencial; um ‘castramóvel’ para servir aos diversos campi e, talvez, à comunidade do entorno – talvez em parceria com a prefeitura do Rio, que já ajuda com vacinas e ração [a Amavila consegue vacinas para os animais de sua comunidade]; transporte; servidores terceirizados para limpeza; vigilância; veterinários; estagiários de uma universidade que possua o curso de Veterinária [a UFRJ não tem o curso de Veterinária]; bolsas para alunos da própria UFRJ; verba específica para material de limpeza, remédios e outros itens a serem avaliados, por exemplo, pelos veterinários pesquisadores radicados no CCS”.
Abandonar animais é crime
Larissa acredita que o aumento do desemprego durante a pandemia e o medo de não ter como manter o animal, principalmente quando fica doente, fizeram com que muitas pessoas optassem por se desfazer do companheiro de estimação. “Mas infelizmente pelo meio errado, abandonando, e não a partir da doação do animal para outra pessoa, que seria a forma correta. Esse aumento dos abandonos foi sentido por todas as ONGs. Por exemplo, recentemente a Suipa declarou que pode fechar por não estar mais conseguindo manter tantos animais depois de verem o número aumentar drasticamente com a pandemia”, explica. A doutoranda entende também que a grande extensão do campus, com muitas matas e áreas desertas, dificulta a fiscalização e impede, muitas vezes, o flagrante delito: “Não é um trabalho tão simples e os abandonos acabam acontecendo, mas sem conseguir que haja um flagrante do momento para que essas pessoas possam ser punidas”.
A Lei nº 14.064/2020 aumentou a pena para quem maltratar cães e gatos. Desde setembro do ano passado, quem cometer esse crime será punido com dois a cinco anos de reclusão, multa e proibição da guarda. Caso o crime resulte na morte do animal, a pena pode ser aumentada em até um terço. A referida legislação alterou a Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre os crimes contra o meio ambiente, fauna e flora e prevê pena de detenção de três meses a um ano e multa, no caso de crime de maus-tratos contra animais.
“Com muito esforço vamos conseguindo ir preparando os animais para serem adotados. Fazemos parcerias com páginas de ONGs e projetos que divulgam os nossos animais. Também divulgamos de forma independente em nossas páginas pessoais de Facebook, Instagram”, diz a doutoranda do IQ. Larissa esclarece que adotar é um ato de responsabilidade. O adotante passa por uma entrevista e precisa estar ciente do que é cuidar de um animal: “Eles dão despesas, sentem medo, frio, ficam doentes e vão envelhecer como todos nós”.
Shakira teve sorte – Breve perfil de uma cadela adotada
Com tantas histórias tristes de abandonos e maus-tratos, saber que uma cadela, a Shakira, foi encontrada e adotada no Fundão, em 2009, e hoje já tem 12 anos de idade pode se revelar um bálsamo para a alma. Shakira é uma vira-lata puríssima que vive, na Tijuca, na casa de Ricardo Pereira, servidor técnico-administrativo da UFRJ. Cheia de pulgas, a cadela foi encontrada, junto com a mãe e mais sete irmãos, em um buraco atrás do Prédio da Reitoria, perto do estacionamento. A mãe havia acabado de parir.
“Os filhotes estavam sendo protegidos pelos seguranças da entrada de carga do Prédio da Reitoria durante o dia até que os filhotes desmamassem. As pessoas deixavam comida para a mãe, que só retornava ao ninho à noite − era bem selvagem e antissocial. Quando os filhotes começaram a sair sozinhos do ninho e se alimentar com a comida deixada lá fora, decidi pegar uma fêmea para criar”, relembra Ricardo.
Ainda pequena, Shakira foi levada para o novo lar, uma casa que acabara de ser comprada e onde poderia ser criado um cachorro com segurança. Lá recebeu os cuidados devidos. “À noite, depois do banho e do remédio antipulgas receitado pela veterinária, já despulgada e cheirosa, colocamos ela para dormir junto ao nosso poodle. Mas não estava acostumada a ficar sem os irmãos e chorou a noite toda, até a pegarmos e colocarmos para dormir ao pé da cama.” O servidor técnico-administrativo explica que foram vários dias até que ela se acostumasse com a nova vida e as companhias. Isso, no entanto, não os assustou. Pelo contrário, só os motivava; tiveram a paciência que toda adoção pode pedir.
Shakira acabou se adaptando perfeitamente ao ambiente. Passou a ser protetora da família e do outro cachorro, já velhinho e cego. Ela também aprendeu rapidamente as rotinas da casa e sempre se mostrou apta a novos truques e brincadeiras. Ganhou uma casa cor-de-rosa − assumiu como seu espaço. Shakira adora ganhar brinquedos e toda a vizinhança a conhece, principalmente as crianças, que, na volta da escola, tocam a campainha e a chamam. É simpática.
A cadela adotada na Cidade Universitária ganha (e dá!) carinho e proteção. Ricardo e Willma Resende, sua esposa, são só amor com a amiga: “Minha velhinha está com 12 anos de muito carinho. É da família e se sente assim também, eu acho. Nós é que tivemos sorte. É uma baita companhia e protetora!”, alegra-se Ricardo. “Mas essa história ainda não acabou… E espero ter muito o que contar sobre ela no futuro. Sempre me lembro da sorte de tê-la escolhido e agradecemos por isso.”
Para adotar os cães e gatos abandonados no Fundão, tornar-se um voluntário do Sema ou fazer doações, entre em contato com Antônio Avelino pelo telefone (21) 98254-7844.