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A COVID-19 também pode afetar os olhos

Pesquisa realizada em parceria com a Unifesp encontrou coronavírus na retina de pessoas infectadas

Há quase dois anos circulando no mundo, muito do comportamento do Sars-CoV-2 no organismo dos pacientes ainda é um mistério. Um estudo realizado pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ) em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) detectou que o vírus pode afetar uma importante membrana do corpo humano: a retina. 

Publicada no periódico científico Jama Network, a pesquisa investigou material colhido em indivíduos que faleceram por complicações da COVID-19 e comparou os resultados post mortem com os dados clínicos obtidos durante o período de internação. As amostras foram reunidas seguindo o método utilizado para transplante de córnea e passaram por análises de imunofluorescência, imuno-histoquímica e microscopia eletrônica de transmissão.

Estudo identificou partículas virais do Sars-CoV-2 na retina | Imagem: UFRJ/Unifesp

Carlla Araújo, pesquisadora do Laboratório de Ultraestrutura Celular Hertha Meyer e uma das autoras do estudo, conta que, enquanto internados, os pacientes já apresentavam alterações nos olhos – como micro-hemorragias –, e que isso estimulou a equipe a entender como o vírus agiria na retina, parte do sistema nervoso central e com conexão com o cérebro.

“No cérebro temos a barreira hematoencefálica, no caso da retina, há uma barreira especial de proteção, a hematoretiniana. Temos que prestar muita atenção em todo o patógeno capaz de adentrar esse espaço – que tem um imunoprivilégio: é muito bem regulado em questão de micro-organismos externos.”

Com experiência prévia em toxoplasmose ocular, a pesquisadora afirma que os resultados corroboram a hipótese de que o Sars-CoV-2 consegue atravessar diversos tipos de tecidos, inclusive as meninges, e ser encontrado no sistema nervoso central. “Estamos diante de um vírus com uma alta capacidade para adentrar os tecidos. Não sabemos ao certo, mas isso pode indicar que ele se ele instala e usa o órgão como reservatório onde fica latente. Assim, poderia causar algum quadro posterior à infecção aguda, como outros vírus são capazes de fazer”, explica.

Imagem de olho esquerdo de paciente mostra micro-hemorragias sob a retina | Imagem: UFRJ/Unifesp

O trabalho pretende conscientizar os médicos de que, durante a anamnese, é preciso se atentar, também, às queixas oftalmológicas do paciente, como coceira e má visão, além dos sintomas já comuns, como tosse, dor de cabeça e dificuldade respiratória. Araújo reforça que a variante Delta, que vem crescendo tanto no Rio de Janeiro quanto nos outros estados do Brasil, tem um quadro inicial mais leve, muito semelhante à gripe comum, e pode dificultar o diagnóstico correto.

Após a publicação do artigo, o estudo entra agora em uma nova etapa, com um número maior de amostras de diferentes indivíduos. Dessa maneira, os pesquisadores poderão ampliar o escopo das análises, relatando todas as anomalias histopatológicas que os infectados podem enfrentar.

“Neste primeiro artigo, rapidamente comunicamos a descoberta do vírus nas células da retina e toda a caracterização da presença dele ali. Com a chegada de mais pacientes, vamos poder produzir um novo trabalho, mostrando com mais detalhamento as alterações causadas pelo Sars-CoV-2, como a micro-hemorragia que foi mostrada no estudo”, conclui Araújo.