No dia 25 de maio é celebrado o Dia da África, em comemoração à fundação da União Africana, realizada em 1963. Neste ano, a data trouxe mais um motivo de celebração: o professor congolês-brasileiro Kabengele Munanga recebeu da UFRJ o título de doutor honoris causa durante sessão solene do Conselho Universitário, em agradecimento pela sua contribuição na área de Antropologia e pela defesa das causas raciais.
Nascido na República Democrática do Congo, Munanga é naturalizado brasileiro desde 1985. Graduado em Antropologia pela Universidade Oficial do Congo, realizou seu mestrado na Bélgica, na Universidade Católica de Lovaina. Sua relação com o Brasil se iniciou em 1975, quando, com bolsa concedida pela Universidade de São Paulo (USP), concluiu seu doutorado em Ciências Humanas. A partir de então, seu currículo foi se tornando cada vez mais extenso, devido a sua atuação em diferentes universidades no Brasil e no mundo. O destaque é para a USP, onde esteve durante a maior parte de sua carreira acadêmica como professor efetivo.
Munanga tem um histórico de pesquisas nas áreas de Antropologia da África e da População Afro-brasileira, com enfoque em temas como o racismo, políticas e discursos antirracistas, negritude, identidade negra e educação das relações étnico-raciais, entre outros. Com uma história de resistência e luta, o congolês-brasileiro teve sua trajetória celebrada durante sessão solene do Consuni, que aconteceu remotamente em virtude da pandemia da COVID-19, e foi transmitido pela WebTV UFRJ. A cerimônia contou com a presença da reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, que outorgou a ele o título e reforçou que o professor Kabengele é um exemplo de como, com sua serenidade, podemos lutar por uma sociedade mais justa.
O vice-decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Vantuil Pereira, reforçou a necessidade de a academia escolher lados no combate às desigualdades. Ele celebrou os passos que vêm sendo dados nos últimos anos, destacando a homenagem feita pela Universidade à escritora Carolina Maria de Jesus que, desde fevereiro de 2021, também tem o título de doutora honoris causa pela UFRJ. “Se assim reconhecemos a obra do professor Munanga, entendemos que não somente ela propõe um olhar para o passado e para o presente. Ela representa uma proposta para o futuro, pois é no meio do turbilhão que devemos conclamar a coesão de segmentos colocados à margem da história”, ressaltou o vice-decano.
O homenageado Kabengele Munanga celebrou e agradeceu a honra de receber o título concedido pela UFRJ. No entanto, reforçou que sua felicidade tem sido sufocada pela tristeza coletiva em virtude das vidas perdidas para a COVID-19 e da violência policial direcionada a negros aqui e no mundo. Ele relembrou a data em que o cidadão negro George Floyd foi assassinado por um policial nos Estados Unidos, gerando uma onda de protestos no mundo todo: 25 de maio de 2020, que completou um ano no dia do evento.
Sempre atuante pelas causas dos Direitos Humanos, Munanga tem diversos livros publicados, nos quais trata do racismo no Brasil, e foi ainda atuante na criação da lei de cotas no país. Tendo saído da República Democrática do Congo devido à ditadura militar instaurada durante a década de 1980, ele encontrou no Brasil uma nova casa e um lugar onde teve a possibilidade de usar a sua pesquisa para transformar a sociedade e produzir outras narrativas. Por esses e outros motivos, foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela UFRJ.
Recebi a informação sobre esse título com muita surpresa e alegria. Com surpresa, porque nunca sonhei com ele. Com alegria, porque é muito confortável descobrir que aquilo que estava defendendo (…) foi percebido e considerado por outras pessoas como uma contribuição para a transformação da sociedade. Acredito que não teria sentido fazer ciência sem consciência dos problemas da sociedade em que estamos inseridos. A verdadeira consciência não aceita o silêncio e a indiferença diante de qualquer tipo de injustiça.
Kabengele Munanga
Ao expor sua biografia durante a transmissão da sessão solene do Consuni, o professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) Jadir Anunciação de Brito se emocionou ao falar da importância de Munanga para o movimento negro e o significado da outorga do título, defendendo a necessidade de valorização da universidade pública. “A trajetória desse pan-africanista brasileiro-congolês, que lutou e continua lutando pela conquista de direitos para a população negra, é também resultado do investimento das universidades públicas na sua vida. Por isso, essa homenagem ao professor Kabengele Munanga, o nosso mais velho, como nós o chamamos carinhosamente, passa pela compreensão da luta em defesa da universidade pública, gratuita, com qualidade”, disse ele.
Brito concluiu oferecendo ao professor o poema Vozes-Mulheres, da autora mineira Conceição Evaristo, no qual ela diz: “A voz de minha filha / recolhe em si / a fala e o ato. / O ontem – o hoje – o agora. / Na voz de minha filha / se fará ouvir a ressonância / O eco da vida-liberdade”.