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Saúde

O amor-próprio nos tempos do câncer

Mulheres falam sobre sua relação com o corpo, a vida e a doença após diagnóstico de câncer de mama

Durante todo o mês de outubro, o país se enche de rosa para conscientizar sobre uma das doenças que mais afetam mulheres no Brasil e no mundo: o câncer de mama. Com mais de 60 mil casos por ano, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a doença tem altas chances de cura com o tratamento correto, afetando diretamente a vida e a mentalidade das mulheres que lutam e vencem a doença.

Dayse Barreto encontrou um nódulo no seio em 2009, aos 38 anos. Ainda muito nova e com exames recém-feitos, a revisora custou a acreditar que aquilo pudesse ser um sinal de câncer, mas logo procurou ajuda. “Eu me cuidava e fazia todos os exames regularmente. Não poderia ser. Mas, consultando imediatamente um ginecologista e mastologista do SUS, em um posto de saúde perto da minha casa, ele me examinou e pediu uma biópsia. E descobrimos que era um câncer de mama, sim.”

Dayse Barreto
Dayse Barreto, revisora | Foto: Arquivo Pessoal

Quase 10 anos depois, Josvane Cosme Soares passou pelo mesma situação, mas de maneira diferente. Em 2018, a servidora municipal começou a sentir dores em uma das mamas. Com os exames um pouco atrasados, achou que as fisgadas incômodas não eram nada sério, principalmente após os sintomas sumirem. Porém, em março de 2019, o mamilo de um dos seios mudou, ficou invertido, e, após o autoexame, Jô encontrou um nódulo.

“Corri para o ginecologista e ele pediu exames com urgência. Fui encaminhada para um mastologista, que confirmou a doença. Recebi o diagnóstico de um carcinoma invasivo, agressivo e em estado avançado”, recordou.

O diagnóstico de Márcia Rocha, professora de Língua Portuguesa, veio após um exame de rotina. Prestes a completar 50 anos, ela visitou a ginecologista para os procedimentos que realizava anualmente. Com o resultado da mamografia em mãos, a luta contra o câncer teve início. “Quando você se depara com um diagnóstico tão sério, você aprende a decifrar as mensagens que o seu corpo dá, o que está acontecendo de errado. Então eu quis buscar o caminho de volta, da saúde, da cura, do equilíbrio.”

O olhar para si, seu corpo e sua dor

Estereótipos da feminilidade, seios e cabelos são duas das características mais exaltadas quando se trata de uma estética dita “perfeita”. O tratamento do câncer de mama passa por etapas que, muitas vezes, atacam diretamente ambos os símbolos, modificando a forma como essas mulheres olham para si mesmas.

A mastectomia, total ou parcial, costuma ser um dos primeiros procedimentos realizados durante o processo. Márcia conta que se preparou para a cirurgia de retirada de um quadrante da mama atacada pelo câncer, mas, durante a operação, uma intervenção maior foi necessária. “Foram detectados outros quatro nódulos bem avançados, e o médico optou pela mastectomia total da mama esquerda.”

Márcia Rocha
Márcia Rocha, professora | Foto: Arquivo pessoal

Dayse também precisou passar pela retirada do seio, mas, segundo ela, isso não a abalou. “Quando descobri a doença, não tive medo de perder a mama. Eu queria me livrar logo daquele nódulo indesejado. Eu queria viver. Sou vaidosa, mas não a ponto de sacrificar minha vida. Queria fazer logo a cirurgia e o tratamento”, afirmou, lembrando que hoje em dia as cirurgias plásticas reparadoras são de alto nível e podem ajudar a melhorar a relação da mulher com o processo de retirada.

A perda dos cabelos, por sua vez, foi o que impactou diretamente a revisora. Uma das reações adversas mais comuns da quimioterapia, processo pelo qual todas as entrevistadas também passaram, é o afinamento e a queda dos fios. “Sofri mais com a perda do meu cabelo. Ele era bem diferente do que é hoje: ficou mais fraco e ralo. Disso eu não gosto”, contou.

Segundo Jô, o tratamento foi muito doloroso. Com 16 sessões de quimioterapia e muitas reações adversas, a servidora municipal ainda hoje realiza hormonioterapia e aguarda a reconstrução mamária.

“Eu já tinha tido câncer de pele há 10 anos, mas sem quimioterapia e radioterapia, só cirurgia. Hoje, respeito e procuro observar com muito mais cuidado os sinais que meu corpo dá. Sim, nosso corpo fala e, muitas vezes, grita.”

O caminho para a cura passa pela autoescuta e pelo autoamor

Após o diagnóstico, Márcia também parou para ouvir seu corpo. Antes com uma vida agitada e cheia de projetos para o futuro, ela decidiu que era hora de se cuidar no tempo presente. Além do tratamento médico, buscou na meditação, nas mudanças alimentares e nas atividades físicas uma forma de melhorar sua saúde e encontrar apoio.

“Isso me ajudou muito a ter um equilíbrio durante o processo, principalmente com a quimioterapia. Mudei também a relação com minha consciência, fui buscar por meio da prática da meditação, das afirmações positivas, a harmonia e a tranquilidade de viver no presente. Esse foi um aprendizado maravilhoso que eu levo para a minha vida a partir da experiência com o câncer. Onde estiver, estar integralmente.”, explicou.

Dayse também escolheu um caminho mais leve para passar por alguns momentos e celebrar as etapas vencidas. A perda dos cabelos, que a abalou tão profundamente, serviu de inspiração para uma série de fotos caseiras sobre personagens carecas. “Só colocava a peruca para ir à rua. Fiquei linda de peruca!”

Se abrace, se toque e aceite ajuda

Como conselho para quem acaba de receber a notícia ou já batalha contra o câncer, as entrevistadas pedem às mulheres que busquem sempre conhecer seus corpos e tenham profissionais de confiança ao seu lado, para que estejam bem-informadas de cada etapa do processo. “Procurem saber tudo o que pode acontecer para não serem pegas de surpresa. Não tenham medo. Enfrentar a doença não é fácil, mas é possível vencê-la”, incentivou Jô.

Jô Carmo
Jô Carmo, servidora municipal | Foto: Arquivo pessoal

Dayse, por sua vez, sugere que a busca por profissionais e exames qualificados seja contínua. A revisora afirma que o diagnóstico causou uma mudança na maneira com que encara os exames. “Precisamos escolher um local cujas imagens sejam boas e nítidas, de preferência indicado pelo médico de confiança ou amigos que já costumam fazer o exame. Isso é muito importante.”

Ter apoio emocional de familiares e amigos pode ajudar a suavizar o processo de tratamento, que é exaustivo e duro. “Não é bom ficarmos sozinhos e nos isolarmos. Esse não é o melhor caminho. O bom é buscar o acolhimento e estar com pessoas que vão ajudar nesse processo. Seja com uma palavra, um afago ou qualquer ajuda”, ressaltou Márcia.

As três se conheceram e dividem a luta, mesmo que em momentos diferentes de suas vidas – servindo de incentivo e espelho umas para as outras, mas sem esquecer de sempre estarem presentes para outras mulheres que também possam vir a enfrentar essa doença.

“No início é tudo muito difícil. Descobrir um câncer faz a gente tremer. À medida que o tempo passa e a gente mergulha no tratamento, vemos que não estamos sozinhas. E aí a gente vai perdendo o medo e aquela ideia de morte. Atualmente, graças à pesquisa científica, temos tratamentos muito eficientes de cura. Temos que acreditar”, concluiu Dayse.