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Além dos números: o que o uso dos dados diz sobre a pandemia

Sistemas de informação confusos e ineficientes mostram a falta de transparência no combate à COVID-19

O Brasil chegou, na segunda-feira (20/7), a 80 mil mortes e mais de 2 milhões de infectados pelo novo coronavírus. Em um cenário pandêmico que cada vez mais se agrava e adentra para o interior do país, a política de divulgação de dados do Ministério da Saúde (MS) segue de maneira ineficiente e com pouca transparência.

Combater e analisar uma epidemia de escala global como a COVID-19 é um trabalho extenso. Testagem em massa e ampla divulgação dos dados são etapas necessárias para que o cenário seja traçado de maneira correta e as decisões governamentais bem embasadas.

Atualmente, o país conta com alguns sistemas que trazem dados da pandemia como, por exemplo, o Sistema de Vigilância em Saúde (e-SUS), o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), entre outros. Para concatenar as informações e dar transparência aos números, o governo criou, então, o SUS Notifica. “Essa plataforma é uma tentativa de junção dos dados de todos os outros sistemas, mas é instável e não mostra coerência”, explica Guilherme Travassos, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e membro do Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento da COVID-19 da UFRJ.

“Temos tido muita dificuldade de obter dados regularmente oriundos de diferentes sistemas de informação em saúde por diversos motivos: instabilidade do sistema, não disponibilidade no sistema, inconsistência dos dados, atraso do envio, diferentes situações que provocam efetivamente uma dificuldade grande no trabalho de acompanhamento e análise”, critica Travassos.

Cláudio Miceli, professor do Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais (NCE) e da Coppe, conta que atualmente os dados utilizados para análise são baixados diretamente dos sistemas federais com acesso provido pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), além de dados sobre Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), também fornecidos pela secretaria. Os dois professores são responsáveis pelo Covidímetro, site criado pela UFRJ em parceria com a SES-RJ que monitora a evolução do coronavírus no estado do Rio de Janeiro.

Imagem do site Covidímetro

Segundo Travassos, os sistemas foram construídos ao longo do tempo e têm cumprido seu papel enquanto são utilizados de forma isolada. No entanto, eles não foram pensados para trabalhar de maneira integrada, principalmente no que diz respeito aos dados e informações e isso gera um grande problema. “Qualquer dado que mostre casos de SRAG, além de sintomas, resultados de exames, taxas de circulação dos municípios e quantidade de óbitos são importantes para a correta análise da situação da pandemia”, afirma Miceli.

Saída é o esforço em conjunto

Para os professores, a união de esforços e a utilização da competência técnica de universidades, institutos de pesquisa e órgãos governamentais podem ser a solução para o desenvolvimento de um sistema integrado e mais transparente. “É possível que sejam criadas soluções que sejam efetivamente viáveis e adequadas para situações tão graves quanto a que estamos passando e que nos dê acesso direto à informação”, explica Travassos.

Miceli destaca ainda que a principal preocupação é prover à SES-RJ e à comunidade um conjunto de dados e procedimentos coesos que permitam analisar a pandemia.

“Acreditamos que somente através da informação é possível tomar decisões corretas e eficientes nesse tipo de situação. Nosso objetivo secundário é manter um legado ferramental para as próximas epidemias”, conclui o pesquisador do NCE.

Acesse aqui a Nota Técnica sobre a necessidade de disponibilização e integração das bases de dados de notificação de casos de COVID-19 elaborada pelo Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento da COVID-19 da UFRJ.