A agricultora Neuza Benevides, 64 anos, vive com filhos e netos no município de Guapimirim, a 76 quilômetros da capital fluminense. Chefe de família, Neuza trabalha na terra desde 2001 e, ainda em 2020, paga as prestações de um terreno de dois hectares – onde seu pai, um dia, também trabalhou. Ali ela planta “de tudo”, como gosta de dizer: “O que dá na minha terra eu planto. Deve ter mais de 200 qualidades de produtos. Tem abacate, manga, jaca, abacaxi, chaya, taioba, café, tudo”.
Ela é uma das produtoras que fornece alimentos para a Feira Agroecológica da UFRJ, realizada há dez anos na Cidade Universitária. Foi certificada como produtora orgânica em 2009, mesmo ano em que se aproximou da Universidade. Em 2019, foi com um grupo de estudantes e professores para o XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, em Aracaju. Na Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi consagrada “guardiã das sementes”. “Tenho semente de 40 anos. O cará, o milho, a abóbora, são todas sementes crioulas. Na minha lavoura não entra transgênico”, explica.
Apesar da fartura na roça, escoar a produção tem sido um problema para Neuza. Com a pandemia da COVID-19, o fechamento de algumas feiras e a redução do público em outras, a agricultora perdeu vendas e viu as contas se acumularem. “Foi muito difícil, principalmente no início. Não estava esperando, né?”, comenta.
A Feira Agroecológica da UFRJ foi suspensa em meados de março, juntamente com as atividades presenciais em quase toda a Instituição. A agricultora também fazia feira em Guapimirim e Teresópolis, vendia cestas para consumidores de Niterói e se preparava para fornecer alimentos para escolas de Petrópolis, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Tudo isso foi interrompido. Para completar, um de seus principais instrumentos de trabalho, uma caminhonete antiga, usada para transportar ferramentas, insumos e alimentos de sua casa para o sítio e do sítio para as feiras, despencou de uma ladeira, sem deixar feridos, e parou de funcionar.
Neuza não é a única nessa situação. Uma artesã que há cinco anos trabalha no Fundão e prefere não se identificar, relata como tem passado os últimos meses. “Eu tinha um ponto fixo na Faculdade de Letras e às quintas fazia parte da Feira Agroecológica da UFRJ. Meu dia a dia era trabalhar ali. Dali vinha a minha renda, para pagar luz, gás, alimento, roupa, remédio, casa. De repente, tudo fechou. O que fazer?”
Tanto essa artesã como Neuza têm feito o possível para seguir. Neuza tenta cuidar de sua lavoura. “Minhas verduras estão lindas, graças a Deus”. A artesã, do mesmo modo, aproveita o material que tem para produzir sua arte, mas, neste momento, não sabe como fazer seu trabalho chegar às pessoas. “E assim já se passaram mais de três meses. Às vezes, penso em ir para a rua, mas tenho medo da exposição, medo de ficar doente.”
Compromisso e participação
Funcionando às quintas-feiras em quatro pontos da Cidade Universitária (blocos A e H do Centro de Tecnologia, Centro de Ciências da Saúde e Polo de Biotecnologia), a Feira Agroecológica da UFRJ completou dez anos em abril. Foi criada por meio de uma parceria estabelecida entre o Sistema de Alimentação da UFRJ, a Agência de Inovação, os cursos de Nutrição, Gastronomia e Saúde Coletiva e os projetos de extensão Capim Limão (Biologia) e Mutirão de Agroecologia (Engenharia Ambiental). Tem como objetivo oferecer à população do Rio de Janeiro alimentos produzidos de forma ecológica e vindos diretamente das famílias agricultoras. Para tanto, reúne produtores residentes em Magé, Guapimirim, Nova Iguaçu, Seropédica, Petrópolis, Tanguá e Rio de Janeiro.
Nesse contexto, 14 famílias dependem, direta ou indiretamente, da UFRJ. Pensando nessa responsabilidade, o projeto de extensão Comunidade Acadêmica que Dá Suporte à Agricultura (Casa), que desde 2016 atua como parceiro da Feira e associa consumidores a agricultores, escolheu não parar por completo. “A gente segue todas as normas de segurança, todas as indicações necessárias para que o risco seja mínimo no momento de entrega dos alimentos. As cestas já vêm montadas para as pessoas e elas, quinzenalmente, vão buscar. Quem está descendo [expressão usada pelos sitiantes das Regiões Metropolitana e Serrana, referente à mobilidade do campo para a cidade] são os filhos dos agricultores, que são pessoas mais jovens e não estão dentro do grupo de risco”, descreve Paula Brito, professora do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc) e coordenadora do Casa.
Organizado como uma Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), o projeto pretende criar outra relação entre o consumo e a produção de alimentos, substituindo “a cultura do preço pela cultura do apreço”, unindo as pontas da cadeia. Entende que os compradores devem ter uma postura “proativa”, cientes da origem dos alimentos, de como são produzidos e em que condições. Ao “fidelizar” os consumidores, que são membros da comunidade universitária e de seu entorno, transforma-os em “prosumidores”, estimulando a participação e o compromisso junto à vida dos agricultores.
“Se a gente se entende como uma CSA, entende que tem uma corresponsabilidade em relação à produção dessa agricultora ou desse agricultor que está apoiando. Quando a pandemia começou, a Feira Agroecológica da UFRJ parou, mas entendemos que era importante continuar com o projeto, justamente pela dificuldade de escoamento da produção que essas famílias estão encontrando no momento”, defende Paula.
Solidariedade
A venda das cestas, contudo, não tem sido suficiente. Alguns agricultores têm seus “prosumidores” de longa data. Outros, não têm. Alguns são grupo de risco, não podem sair de casa. O caso das artesãs é ainda mais complicado, pela natureza do que criam – bolsas, colares, brincos, bordados etc. Dessa maneira, o Casa teve a ideia de lançar campanhas alternativas de doação. E tem recebido contribuições voluntárias via depósito bancário, que são convertidas em cestas de alimentos, materiais de higiene e limpeza ou contribuem no pagamento de contas básicas.
A cada quinzena, o projeto presta contas do que arrecada e distribui. Luisa Pinheiro, estudante de Biologia e extensionista do Casa, explica como as doações têm sido importantes para as famílias. “A gente repassa esse dinheiro para elas, que ainda dividem com as pessoas que são próximas e que também estão nessa necessidade, também vivem da agricultura, do artesanato”.
Para garantir o meio de transporte e instrumento de trabalho de Neuza Benevides, o projeto organizou uma vaquinha em uma plataforma colaborativa virtual. Nesse caso, a proposta partiu dos “prosumidores” vinculados à agricultora que, em conversas estabelecidas via WhatsApp, consideraram ser essa uma solução. Em pouco mais de um mês, a campanha arrecadou R$ 10.330,00 e contou com a participação de 87 pessoas. “Estou muito feliz e agradecida. Com esse valor, consigo comprar um carro usado”, comemora a agricultora.
Para Paula Brito, a mobilização traz benefícios a todos. “Se colaboramos para a Neuza continuar na roça plantando, saímos todos ganhando. Ela, por trabalhar naquilo que ama, nós, por termos alimentos agroecológicos nas nossas mesas e cuidarmos da nossa saúde e do planeta”, afirma.
Como contribuir
É possível se associar ao Casa, mesmo durante a pandemia. Os valores das cestas de alimentos vão de R$ 18,00 a R$ 31,50 por semana. O pagamento é feito antecipadamente e calculado conforme o número de semanas de cada mês. As cestas são compostas por seis itens: frutas, legumes, folhas, raízes, processados e temperos. Os alimentos variam conforme a estação do ano e a safra.
Enquanto a Feira Agroecológica da UFRJ não retorna às atividades presenciais, os “prosumidores” buscam suas compras a cada quinze dias na Cidade Universitária. Quem não pode retirar sua cesta neste momento e quer seguir vinculado ao projeto também tem a opção de doar os alimentos aos moradores da Residência Estudantil.
Para se vincular, clique aqui. E para fazer uma doação voluntária às famílias agricultoras e artesãs, visite as páginas do Casa no Facebook ou no Instagram.