A Universidade da Cidadania, espaço de articulação com os movimentos sociais, e a Federação Única dos Petroleiros (FUP) realizaram nesta semana uma série de aulas públicas em frente à sede da Petrobrás, na Avenida República do Chile, centro do Rio de Janeiro. A reportagem do Conexão UFRJ acompanhou a mobilização na manhã de quarta-feira, 19/2, horas antes de a greve da categoria ser temporariamente suspensa. Na ocasião, Luiz Pinguelli Rosa, professor emérito do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ (Coppe), esteve na vigília e conversou com trabalhadores sobre a geopolítica do petróleo.
O professor questionou as atuais práticas da Petrobrás, focadas na venda de subsidiárias estratégicas para a cadeia produtiva de óleo e gás, na exportação do petróleo cru e na importação de derivados – gasolina, gás de cozinha, diesel etc. “Já no governo Temer, vivemos um absurdo que foi deixar as refinarias da Petrobrás ociosas, não refinando todo o petróleo necessário para a produção dos derivados e importando isso, basicamente, dos Estados Unidos (EUA)”, afirmou.
De acordo com a FUP, o Sistema Petrobrás sofre um desmonte, pois está perdendo bases em áreas estratégicas para o setor, da exploração do petróleo à distribuição de combustíveis. Somente em 2019, 18 ativos foram vendidos, entre eles, a Transportadora Associada de Gás (TAG) e parte da BR Distribuidora. A arrecadação em torno dessas vendas ficou em R$ 44,5 bilhões e o lucro anunciado pela empresa em 2019 foi de R$ 40,1 bilhões. Em 2020, 39 ativos seguem na lista de privatizações.
A diretoria da Petrobrás, comandada por Roberto Castello Branco, argumenta ser esse o único modo de revigorar o Sistema, supostamente devedor. No entanto, Pinguelli, referência no país em estudos de energia, alertou para os prejuízos dessa prática, que transfere a conta para os cidadãos. “A população paga preços altíssimos pelos derivados que consome, para permitir sua importação. Uma grande parcela deles está vindo dos EUA e a Petrobrás tem um imenso prejuízo com isso, porque perde mercado. Se ela produzisse esses derivados e os colocasse [no mercado] a um preço menor do que interessa aos exportadores americanos, nós poderíamos consumi-los oriundos do óleo cru brasileiro”, explicou.
Na quinta-feira, 20/2, a Petrobrás anunciou aumento de 3% no preço da gasolina e depositou a responsabilidade dessa decisão no mercado internacional, supostamente desacelerado pela crise do coronavírus na China. Porém, a produção de combustíveis no Brasil, somente em 2019, sofreu retração de 53,1%, graças ao fechamento e à venda de refinarias. “É possível, sim, vender um botijão a preço popular para a dona de casa, é possível, sim, vender a gasolina a R$ 2,75 e R$ 2,90 para o trabalhador do dia a dia, para o uber, para o taxista. É possível reduzir o preço do diesel para os caminhoneiros. Desde que haja uma política popular dentro da Petrobrás. Não essa política internacional que vêm adotando e que prejudica toda a população brasileira”, defendeu Paulo Antunes, trabalhador da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) do Paraná e dirigente do Sindicato dos Químicos nesse estado (Sindiquímica – PR).
Desemprego
Além de a soberania energética brasileira estar ameaçada, como destacou o professor Pinguelli durante a aula pública, a venda do patrimônio da Petrobrás implica demissões em massa. Esse é o contexto da greve dos petroleiros. Com o anúncio de fechamento da Fafen, situada no município de Araucária e vinculada à Petrobrás, foi comunicada também a demissão de 396 trabalhadores diretos e mais de 600 indiretos. Em 19/1, a Fafen foi ocupada e, em 1°/2, foi deflagrada a paralisação nacional, com ocupação da sede executiva da empresa no Rio de Janeiro.
Nesse período, 21 mil trabalhadores e 117 unidades de produção aderiram ao movimento. “Os companheiros entenderam que a Fafen é o balão de ensaio. Caso passem esse fechamento e essas demissões em massa, isso vai se estender para todo o Sistema Petrobrás”, comentou Antunes, que esteve na vigília do Rio. Mais de 270 mil pessoas vinculadas à Petrobrás perderam seu emprego nos últimos anos. “Se não tivermos a solidariedade e a empatia dos companheiros neste momento, amanhã outros vão receber a cartinha de demissão também”, alertou.
Pinguelli destacou que, além da defesa dos postos de trabalho, a mobilização é importante porque denuncia os efeitos das privatizações e trava disputa pelo desenvolvimento social e econômico do país. Em sua avaliação, os petroleiros estão “na vanguarda da resistência à destruição do Brasil” e são “um exemplo cívico de enfrentamento que não está havendo em geral”. “Se conseguirem suspender as privatizações das refinarias, será uma vitória gigantesca que serve de exemplo para o Brasil”, completou.
Suspensão
No dia 17/2, sob o argumento de que teria finalidades políticas, a paralisação foi considerada ilegal pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra. Os petroleiros se mantiveram em vigília e, um dia depois, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná recorreu ao TST, garantindo a manutenção dos postos de trabalho da Fafen até 6/3. Na tarde de quarta-feira, o movimento anunciou suspensão provisória da greve para a abertura de negociações. Novos resultados poderão surgir, já que nesta sexta-feira, 21/2, Petrobrás e trabalhadores se reúnem, com a mediação do TST.
Quer compreender como funciona a Petrobrás? Leia artigo publlicado em maio de 2018 no Conexão UFRJ.