Larissa Santiago Ormay, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI), desenvolvido por meio de convênio entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), sob a orientação do professor Marcos Dantas, ganhou o Prêmio Valério Brittos. A honraria é concedida pela União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc) à melhor tese defendida anualmente no campo da Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura.
A tese de Larissa, “Propriedade Intelectual e Renda no Capital-Informação”, foi premiada em Sevilha, na Espanha, durante o congresso da Ulepicc, em novembro de 2019. “Trata-se do reconhecimento internacional de uma pesquisa realizada em instituições públicas brasileiras, contando, inclusive, com apoio parcial do CNPq. Nenhuma conquista é individual e sou grata a todos os envolvidos no processo”, explica Larissa.
Além de doutora em Ciência da Informação, Larissa é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2013) e graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008). A pesquisadora atua na Divisão de Relações Multilaterais da Coordenação de Relações Internacionais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e estuda relações entre a liberdade de expressão e a propriedade privada, principalmente nos temas acesso ao conhecimento e propriedade intelectual e informação e democracia.
Em entrevista, Larissa detalha como teve a ideia de escrever a tese e contextualiza o assunto.
Comunicação Social do Ibict/UFRJ – Como surgiu a ideia de escrever o tema da tese?
Larissa Ormay – Eu estava muito empolgada com a disciplina do doutorado no PPGCI, chamada “Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura”, ministrada pelo professor Marcos Dantas, que se tornou meu orientador. Fui percebendo que as abordagens teóricas dessa disciplina poderiam explicar aspectos de uma situação que eu observava em minha experiência de trabalho com gestão de ciência e tecnologia no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas: a “corrida quântica”.
Trata-se de uma competição mundial entre grandes empresas aliadas a Estados em busca de novas tecnologias quânticas, como o computador, a criptografia e o laser quânticos. Estima-se que essas tecnologias representam um novo marco para a área de processamento, transmissão, organização e recuperação da informação, com relevantes impactos sociais, políticos, econômicos e culturais.
Por isso, existe forte concorrência global para o domínio do conhecimento no campo, o que se reflete na escalada da propriedade intelectual relacionada a uma disciplina da Física denominada “Informação Quântica”, que estuda os fenômenos da informação que tais tecnologias visam explorar. Meu objetivo foi procurar entender principalmente o papel das patentes e dos direitos autorais nessa disputa global que, no fundo, é uma disputa de poder.
Comunicação Social do Ibict/UFRJ – Poderia explicar sobre o que versa sua tese?
Larissa Ormay – A propriedade intelectual é um artifício jurídico que autoriza uma apropriação de bens que, a princípio, não teriam capacidade em si de serem apropriados, por conta de sua natureza intangível – como a cognição, o pensamento, a informação, a cultura e o conhecimento. Por exemplo, podemos demarcar um bem material, cercá-lo com grades e garantir sua posse e propriedade exclusivas.
Quando se trata de conhecimento, fica mais difícil “amarrá-lo” de modo a excluir sua aquisição por terceiros. Um livro pode pertencer a alguém, mas a princípio nada impediria que o conhecimento que está nesse livro seja retransmitido à vontade. A expansão da propriedade intelectual tem servido para colocar “cercas” onde inicialmente haveria caráter de livre compartilhamento.
Minha tese realiza um desenvolvimento teórico sobre o mecanismo que representa esse “cercamento”, que teria origem no cercamento de terras que possibilitou o estabelecimento do capitalismo. De maneira análoga à remuneração de um proprietário fundiário a partir do arrendamento de sua terra a quem nela produz mercadorias, vislumbramos o possível caráter rentista do enriquecimento via propriedade intelectual.
É como se o conhecimento desempenhasse o mesmo papel que a terra representou nos primórdios do capitalismo, quando ocorreram os primeiros cercamentos. Trata-se de um modelo cuja intensificação gera um cenário em que muitos trabalham para sustentar o modo improdutivo de quem vive de renda – tudo justificado pela propriedade privada, contemporaneamente cada vez mais sob a versão “intelectual”.
A pesquisa mostrou a relação entre a renda da terra e a “renda informacional”, que seria a renda da propriedade intelectual. Esse desenvolvimento teórico foi aplicado à situação concreta da “corrida quântica” com um estudo de caso. Os monopólios de conhecimento representados pelos títulos de propriedade intelectual acumulados por gigantes corporações tecnológicas parecem favorecer uma acumulação predominantemente rentista, em que aos “donos” da propriedade intelectual se paga o preço pela utilização de tecnologias e saberes tornados indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social.
Os países em desenvolvimento que não investem na criação e titularidade desse tipo de domínio permanecem no papel de pagadores, em vez de se tornarem credores e diminuírem o abismo que os separa dos países desenvolvidos. Em resumo, foi nessa direção que procurei reunir teoria e realidade prática contemporânea a fim de contribuir para estratégias brasileiras de posicionamento sobre o assunto, seja perante novos acordos de propriedade intelectual ou futuras políticas de acesso ao conhecimento científico.
Comunicação Social do Ibict/UFRJ – Considerando o tema da sua tese, por que devemos pensar a informação como trabalho?
Larissa Ormay – Existem diversos conceitos associados à palavra informação. Eu utilizo uma abordagem teórica segundo a qual o que gera valor econômico é o trabalho. Considerando a informação como um processo de produção de signos, essa produção se expressa como trabalho quando inserida em uma relação economicamente produtiva.
Sujeitos produzem significado partindo de conhecimento para gerar novo conhecimento. Isso é um trabalho imprescindível no contexto atual, quando mais do que nunca a informação parece ser o grande alvo de exploração econômica. A informação nesse sentido não é simplesmente um recurso, mas tempo de nossas vidas gasto como atividade produtiva, como trabalho semiótico.
Trata-se de uma concepção que procura enxergar a informação não como algo que existe em si, como tendo algum tipo de substância. Em vez disso, a informação seria um processo que necessariamente passaria pela nossa atividade mental de criação a partir de determinada materialidade.
Comunicação Social do Ibict/UFRJ – Qual a importância do PPGCI Ibict/UFRJ para a realização do seu trabalho?
Larissa Ormay – O programa me ofereceu contato com uma interdisciplinaridade ímpar, o ambiente acadêmico ideal para quem pretende abordar questões complexas que envolvem o cruzamento de diversas áreas do conhecimento relacionadas à questão da informação. Tive ótimos professores e acesso à alta qualidade de ensino e pesquisa.
Acesse a tese “Propriedade Intelectual e Renda no Capital-Informação”.
Do Núcleo de Comunicação Social do Ibict/UFRJ