Ela entrou para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1983. Foi aluna da licenciatura em Biologia e do bacharelado em Genética. Cursou mestrado e doutorado em Bioquímica, no Instituto de Química (IQ). Fez doutorado sanduíche na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Em 1995, foi aprovada em um concurso para docente no Instituto de Bioquímica Médica (IBqM). A partir daí, fincou raízes e construiu trajetória exemplar. “Sou o que esta instituição me permitiu ser”, diz Débora Foguel, última entrevistada do projeto Intelecta.
Débora é membra da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento. Por duas vezes (2011 e 2018), foi comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico. Recebeu prêmios da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Prefeitura do Rio de Janeiro. Mais recentemente, tornou-se a única cientista brasileira, ao lado do também professor do IBqM Jerson Lima Silva, a receber condecoração da Sociedade Americana de Biofísica. Em março de 2019, foi até a Câmara dos Deputados, em Brasília, para mais uma homenagem: ao lado da viúva de Marielle Franco, Mônica Benício, e de outras três profissionais, recebeu a medalha Mietta Santiago, dada a mulheres que contribuem com a sociedade. Tamanho reconhecimento não tirou da docente a humildade. “Tudo o que sou devo a professores, orientadores, estudantes e técnicos que cruzaram o meu caminho”, declara.
Seu percurso foi marcado pela interdisciplinaridade e pela diversidade na atuação. Iniciou-se na investigação científica com dissertação e tese dedicadas ao tema da fotossíntese. Ao estabelecer laboratório no IBqM, direcionou os estudos para as doenças neurodegenerativas, buscando respostas para Alzheimer e Parkinson. Não trabalha sozinha. Atualmente, no Laboratório de Agregação de Proteínas e Amiloidoses (Lapa), que coordena ao lado do professor Fernando Soares, envolve 23 estudantes. Outras dezenas de jovens pesquisadores já passaram por ali. Em quase três décadas de UFRJ, Débora seguiu ministrando aulas, criou o projeto de extensão e divulgação científica “Doe uma aula”, foi diretora do IBqM por duas gestões e pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa (PR-2) no período de 2011 a 2015.
Dupla jornada
Em sua entrevista, a pesquisadora não quis falar somente de trabalho. “É muito importante levar a carreira científica sem anular o outro lado da vida da gente: a família, os amigos, a vida pessoal”. Casou-se aos 19 anos, teve a primeira filha aos 20. Do segundo casamento, gerou mais dois e ganhou um enteado. “Sempre foram quatro filhos lá em casa”, destaca.
O ninho cheio fez com que Débora assumisse também uma “jornada dupla, quiçá tripla”, como observa. Ao logo da vida, teve de aprender a conciliar os compromissos com as necessidades afetivas. Não se lamenta e recomenda a experiência às mulheres que querem estar na Academia. “Sempre digo para as minhas alunas que não temos de fazer isto ou aquilo, mas sim isto e aquilo, conjugar as coisas da melhor maneira possível”, defende.
Ser mulher na ciência, para ela, não é sinônimo de frustração. “Nunca me senti preterida em situações de decisão”, revela. É, sim, um desafio. Sobretudo no que diz respeito à organização das tarefas. “Dando um exemplo simples: quando convidados a participar de um evento ou uma banca, os homens dificilmente recusam. Já as mulheres acomodam a sua agenda, às vezes com alguma dificuldade, porque têm que compatibilizar todos os fatores extremamente importantes em sua vida, os filhos em especial”, analisa.
Futuro
Cientistas aprendem a lidar com incertezas. Avançam com as perguntas que fazem. O benefício da dúvida, contudo, pode gerar angústia quando o assunto é o futuro das pesquisas brasileiras – ainda mais se esse destino for medido pelo contexto atual. Débora discute bastante esse tema (falou à edição n° 16 do boletim Conexão UFRJ) e diz estar preocupada com seus colegas. “Há um desânimo geral”, revela.
Em sua avaliação, o Brasil conquistou um posto importante na ciência mundial: está entre os 15 países do mundo que mais produzem conhecimento. Na última década, recebeu incentivo, formou um corpo profissional competitivo, expandiu a pós-graduação e a pesquisa, consolidou uma política voltada ao desenvolvimento. Agora, caso se acirre a situação de redução orçamentária vivida por agências de fomento, fundações de apoio e universidades, será difícil seguir. “É uma pena, pois a cura do câncer, a cura do Alzheimer, a cura do Parkinson, infelizmente, não estão nesses vidrinhos de água ou cloreto de sódio. Requerem perguntas sofisticadas, materiais complexos, equipamentos de milhões de dólares. Em dois anos, o que temos já pode estar obsoleto”, aponta.
Ainda assim, a professora não perde a esperança e se vê na função de estimular o trabalho de colegas, alunos, ex-alunos. “Gosto daquela imagem do filme Titanic, em que o barco está afundando e os músicos continuam tocando. Somos essa orquestra, fazemos uma música linda, não podemos desistir”, finaliza.
Veja o vídeo com a professora Débora Fogel na WebTV da UFRJ.
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