A retomada do espaço pelos poderes Executivo e Legislativo não foi suficiente para apaziguar os ânimos críticos ao protagonismo do Poder Judiciário na vida do país, pois esta se fez acompanhar da alta probabilidade de que cedo ou tarde o Judiciário reformaria as decisões dos demais poderes. O problema tomou proporções preocupantes; de fato o tema já tem sido alvo de longa discussão há algum tempo na academia, entre operadores do Direito e sociedade.
O ativismo judicial e a judicialização da política, repercutiram no que hoje alguns consideram um papel hipertrofiado do Poder Judiciário, ou quase uma “supremocracia”, um governo do Supremo ao invés do governo eleito pelo povo. Para os críticos, a corte constitucional brasileira ocupa lugares do Legislativo ou do Executivo.
A questão está longe de ser pacificada e, inclusive, o problema tem contribuído para acentuar o coro das reclamações movidas pela sociedade e meios de comunicação sobre o desempenho do Poder Judiciário, principalmente em relação à falta de legitimidade para atuação em certas matérias e na cobrança de respostas mais adequadas aos anseios e demandas sociais sob o seu exame. Uma das dificuldades circula em torno da intervenção judicial quando esta deixa de ter uma natureza invalidatória exclusiva de matérias atentatórias aos direitos e passa a assumir uma função substitutiva legislativa ou executiva, muitas vezes recriminada pelos seus efeitos.
Determinados aspectos dessa tensão podem ser sentidos em: Reflexos na sociedade – imprensa e opinião pública – Poder Judiciário é moroso e inepto na prestação de um serviço público essencial. No Poder Executivo – agentes responsáveis pela preparação do Orçamento Geral da União – consideram o Judiciário uma instituição com pequena eficiência gerencial, perdulária e insensível ao equilíbrio das finanças públicas. No Legislativo – Judiciário vai além de suas prerrogativas, interfere no processo legislativo e obstaculiza a execução de políticas provenientes de órgãos representativos eleitos democraticamente, deixa de agir tecnicamente na aplicação da lei (judicialização da política e “tribunalização” da economia).
O protagonismo judicial aumentou pelo próprio desenho constitucional atribuído ao Judiciário na Constituição de 1988 e perdurou, ou até incrementou com a Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário). O problema merece atenção da sociedade, contudo, nem sempre os clamores por mudança e as respostas simplistas darão as melhores pistas sobre como conduzir as questões para os resultados mais promissores.
A saída não pode ser ingênua, pois as implicações da aceitação de um modelo ilimitado de jurisdição dos direitos e de implementação das políticas públicas pelo Judiciário, pode conduzir a resultados deletérios na sociedade, inclusive com efeitos reversos sobre a própria imagem do poder, questionada em sua capacidade institucional de atuar nestas questões. Principalmente, em relação à produção de resultados políticos, que deixam o lastro sobre certos pontos como: a) legitimidade, uma vez que legislador e administrador (Executivo) foram eleitos; b) Judiciário não possui aparato técnico para identificar prioridades na implementação de políticas sociais e econômicas; c) Judiciário deve rever atos dos outros poderes e não substituí-los; d) a substituição desgasta o Judiciário; e) decisões do Judiciário equivocadas estariam imunes a uma revisão pelos outros poderes; f) a invasão sobre demais Poderes resultaria na possibilidade de controle político do próprio Judiciário (EMERIQUE, 2010, p. 56).
A simples aceitação da conjectura de exercício do controle social sobre o Poder Judiciário não resolve os pontos de tensão, porque persistirão impasses no que concerne ao momento no qual o controle deverá ser exercido e sobre a extensão e limites em cada caso, deixando várias perguntas por resolver, tais como: se recairá sobre o ingresso nos quadros da magistratura, ao progredir na carreira para Tribunais, para compor Tribunais Superiores (STJ, STF etc.), se relacionado aos aspectos éticos e correicionais ou, ainda, se relativo ao exame dos julgados (de todas as hipóteses a dimensão mais polêmica) e se este controle será feito em caráter preventivo, concomitante e sucessivo, ou seja, em três momentos distintos: na formulação, na execução ou na avaliação das decisões, ou mesmo se será um híbrido complexo das alternativas apresentadas.
A admissão do controle social também não dá uma resposta de pronto ao problema da medida aplicável, porque, a título de controlar socialmente o Poder Judiciário e possivelmente controlar agentes e certas decisões por eles proferidas, corremos o risco de sermos picados com o mesmo veneno, pois podemos incorrer em uma atividade substitutiva, gerando medidas de cunho prático a partir de direitos previstos de modo genérico na Constituição.
Estas tensões demonstram a persistência da necessidade de aprofundamento da discussão sobre o assunto sem se contrapor a ideia de que os limites da intervenção judicial dependerão, pelo menos em parte, da concepção que o próprio Judiciário adota ou adotará com o passar dos anos, sobre a extensão de sua própria jurisdição (se auto restritiva ou não), a partir da interpretação da Constituição como um todo.
Como é notório, o poder político não é facilmente controlado, a dinâmica deste é contrária ao comando e limitação, a despeito disso, para assegurar as pessoas em relação ao arbítrio das autoridades, germinaram as primeiras doutrinas sobre o tema e toda a constituição do Estado de Direito, culminando no Estado democrático de direito que postula o aprimoramento das instituições políticas em torno da democracia formal e substancial, bem como o refinamento e garantia das prerrogativas do Estado de direito e do Estado social. O Estado democrático de direito requer o controle recíproco entre os poderes estatais e sobre seus agentes e, também, o controle da sociedade na fiscalização das instituições políticas e seus agentes responsáveis pela concretização dos objetivos, metas e finalidades demarcados na ordem constitucional.
A dimensão de Estado democrático de Direito passa pela avaliação da eficácia e legitimidade dos procedimentos utilizados no exercício de gestão dos interesses públicos e sua própria demarcação, a partir de novos comportamentos institucionais e novos instrumentos políticos de participação que expandam a estatura democrática da construção social de uma cidadania contemporânea.
Um exemplo diferenciado para tentar enfrentar o problema da legitimidade democrática na composição do Poder Judiciário, articulado com um controle social prévio, ocorre na condição de ingresso no Tribunal Constitucional Plurinacional, conforme previsão do art. 198 da Constituição boliviana de 2009; que dispõe sobre eleições, mediante sufrágio universal das magistradas e dos magistrados do Tribunal. Podem participar do processo pessoas com mais de 35 anos, com especialização ou experiência de pelo menos 08 anos nas disciplinas de Direito Constitucional, Administrativo ou Direitos Humanos. Os nomes das candidaturas poderão ser indicados por organizações da sociedade civil e das nações e povos indígenas originários camponeses.
O modelo, embora não responda por um controle social sobre a permanência dos juízes no Tribunal, nem sobre as decisões proferidas e a implementação destas, propõe um arranjo institucional mais amigável à participação popular e pode sinalizar para uma alternativa ao modelo de ingresso atual nos Tribunais Superiores.
Professora da Faculdade de Direito da UFRJ