Aprovada no dia 11/7/2017 pelo Senado Federal e sancionada pelo presidente Michel Temer, a Reforma Trabalhista traz mudanças significativas na legislação e altera mais de 100 tópicos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), criada durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, em 1943.
Parcelamento de férias, trabalho intermitente, prevalência da negociação direta sobre a legislação, terceirização e o fim do imposto sindical obrigatório são alguns dos pontos principais da Reforma proposta pelo governo Temer.
Estudiosos do tema, contudo, vêm criticando as consequências da mudança nas leis trabalhistas, que afetarão principalmente a classe trabalhadora. A Reforma, de fato, vai gerar empregos, como prometem os seus defensores? É o melhor momento para realizar mudanças tão profundas na legislação? Quais podem ser os efeitos da Reforma para os trabalhadores mais vulneráveis socialmente?
Momento de crise é inadequado para Reforma
Para João Saboia, professor titular do Instituto de Economia (IE) da UFRJ e especialista em mercado de trabalho, o cenário econômico brasileiro atual não é dos melhores para a realização de uma reforma na CLT.
“Primeiramente, o momento para uma reforma dessa magnitude é péssimo. Acredito que se estivéssemos em uma situação econômica mais favorável e com geração de empregos, essa Reforma poderia ser aceita com mais facilidade. Mas o Brasil enfrenta uma crise fortíssima. São dois anos seguidos de queda na produção, com milhões de empregos destruídos”, pontuou.
O professor também vê com desconfiança a promessa de que a Reforma será responsável pela geração de empregos. “O governo acredita que a flexibilização das regras incentivará o empresariado a contratar. Eu tenho sérias dúvidas a respeito disso. Não acredito que haverá geração de emprego. Só geramos emprego quando a economia está em crescimento”, argumentou.
Saboia lembrou que em 2010, ano de grande crescimento econômico, 2 milhões e 400 mil empregos formais foram criados no Brasil. Mesmo antes, entre 2004 e 2008, quando a economia não cresceu tanto quanto em 2010, mais de 1 milhão e meio de empregos foram gerados por ano.
Ele acrescenta que até mesmo em 2014, ano em que a economia brasileira parou de crescer, 400 mil empregos de carteira assinada foram criados. “A partir de 2015, com a recessão, os empregos não só pararam de ser gerados como também milhares dos que existiam foram eliminados”, explicou Saboia, que é professor emérito da UFRJ.
Classe trabalhadora sairá enfraquecida
Dentre todas as mudanças na lei, a que se destaca é a que prevê que a negociação entre patrão e empregado ficará acima da legislação.
De acordo com Elina Pessanha, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, “antes só se podia negociar acima de um patamar mínimo de direitos. Agora se poderá negociar abaixo deles”.
Por que o negociado entre patrões e trabalhadores é preocupante? A negociação, explicou a professora, está prevista na lei desde o início da CLT. Contudo, quando se criava um impasse, a Justiça do Trabalho era acionada para intervir.
“Agora, havendo a negociação sem a proteção da legislação, a lei não será mais considerada quando houver esse impasse. Isso aumenta o poder de barganha do patrão e enfraquece a Justiça do Trabalho que antes servia como contrapeso”, criticou Elina, que também dirige o Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro, um núcleo de pesquisa da UFRJ.
Segundo a docente, a nova legislação segue uma orientação neoliberal já proposta antes durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e se configura como um retrocesso no processo histórico de criação da CLT e da luta dos trabalhadores brasileiros.
“Os agentes do liberalismo foram contra a CLT e a Justiça do Trabalho desde sempre. Com essa Reforma, uma série de conquistas por parte dos trabalhadores, dos juristas e dos legisladores que tinham ideias mais progressistas e democráticas está barrada. Dessa forma, podemos dizer que a nova legislação aperfeiçoou, no mau sentido, as mudanças feitas durante o governo de FHC”, afirmou.
Dissertação mostra risco para mão de obra não qualificada
O cenário que se aproxima é ainda mais obscuro para os trabalhadores mais vulneráveis socialmente. Esse é o caso das empregadas domésticas, que apenas recentemente conquistaram alguns direitos básicos com a PEC das domésticas.
Felipe Russo, mestre em economia pela UFRJ, demonstrou, em sua dissertação de mestrado, como a PEC das domésticas foi importante. A pesquisa mostrou que a legislação que estendeu às domésticasxa0os direitos trabalhistas contribuiu para a formalização do emprego e o aumento de 3% em sua renda.
Para Russo, a Reforma Trabalhista pode prejudicar ainda mais trabalhadores com mão de obra mais barata e não qualificada. Os trabalhadores dessas classes, segundo ele, podem ter mais dificuldade para negociar as condições de trabalho com seus empregadores por serem mais suscetíveis a perder um emprego ou uma renda.
“Se uma pessoa com graduação ou pós-graduação perde o emprego, ela tem muito mais chances de conseguir outro. Isso aumenta seu poder de barganha com o patrão. Agora, alguém que ganha um salário mínimo e tem poucas chances de conseguir outro emprego tem pouco poder de barganha com o patrão se ele quiser reduzir o padrão daquele trabalho. Dessa forma, a Reforma Trabalhista pode acentuar as desigualdades que já existem no país”, argumentou.