No Brasil, a universidade pública ainda é considerada pouco democrática. Apesar dos avanços dos últimos anos, como as ações afirmativas, que ampliaram o ingresso de jovens no ensino superior, ainda existe uma grande parcela da sociedade brasileira excluída do acesso aos conhecimentos que a academia produz e tem por tarefa difundir.
Por outro lado, há uma espécie de isolamento da própria universidade com relação a saberes não acadêmicos de enorme relevância, que muitas vezes não circulam como deveriam dentroxa0dela. Nesse contexto, a Universidade da Cidadania, vinculada ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, é uma iniciativa que busca atender a essa demanda de maior interação entre vários tipos de conhecimento.xa0É considerada, pelos seus idealizadores, como uma universidade livre e literalmente aberta a todos que se interessarem.
“A Universidade da Cidadania nasce como uma espécie de portas e janelas abertas na relação da universidade com o mundo de fora e em particular com as organizações sociais, com os movimentos populares, no sentido de estabelecer com eles um diálogo e uma troca de saberes. Além disso, é também o cumprimento de uma tarefa fundamental da universidade: a de difundir os saberes que guarda”, explica Carlos Vainer, idealizador do projeto e também coordenador do Fórum.
Para Vainer, cabe à universidade contribuir para reduzir o desequilíbrio gerado pela distribuição desigual dos saberes. Como a universidade, sobretudo a pública, ainda se encontra numa posição elitista e pouco democrática, a Universidade da Cidadania aparece como uma possibilidade de superar esse problema.
“É uma espécie de universidade livre, que ninguém precisa fazer vestibular para entrar, onde cursos de diferentes naturezas são oferecidos e de maneira a tentar fazer com que a universidade seja um pouco mais popular”, completa.
“A universidade deve repensar forma de produzir conhecimento”
“A Universidade da Cidadania é a democratização da universidade, é dar uma cara mais popular para ela, pintá-la de outras cores, como diria o Che Guevara. É fazer a universidade se diversificar mais”, explica Adriana Facina, antropóloga e coordenadora do projeto.
Segundo Adriana, o principal propósito da iniciativa é criar pontes de diálogo com conhecimentos não acadêmicos e aproximá-los da universidade. Além disso, o projeto também tem como objetivo promover cursos de formação e capacitação para setores tradicionalmente excluídos da rede formal de educação.
A universidade produz conhecimentos científicos que, segundo ela, precisam servir à sociedade e aos movimentos sociais de alguma forma. “A universidade precisa repensar suas formas de produção de conhecimento. Faz muita diferença, por exemplo, alguém que está reivindicando o direito à moradia saber sobre a história da cidade e sobre como essa questão foi tratada em outros momentos históricos”, frisa.
Adriana diz ainda que a concepção do projeto vai totalmente contra a ideia de que o ensino deva ser tratado como mercadoria. “A produção de conhecimento deve servir à emancipação humana, à felicidade, ao fim da desigualdade social, de gênero e de raça.”
E acrescenta que vivemos um período de forte ataque às universidades públicas, citando a Uerj como exemplo.
“As federais são a bola da vez. Então, acho que é também uma questão de sobrevivência. Quanto mais diálogo, democratização e participação da sociedade na vida universitária, mais público será seu caráter, mais sentido ela vai fazer”, defende Adriana.
A visão dos movimentos sociais
Os movimentos populares e sociais são um dos focos da Universidade da Cidadania. A maneira como o projeto dialoga com eles se dá por meio da troca de saberes. Com o apoio do projeto, o alcance dos movimentos se tornará maior e ganhará força e engajamento.
Ouvido pelo Conexão UFRJ, Renato Cosentino, que participou do Comitê Popular da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016, considera importante promover uma troca de saberes, que no fim também se complementam.
“De um lado, a universidade, com o rigor científico e a teoria, podendo ainda assessorar os movimentos através de projetos de extensão. De outro, os movimentos, com a sua prática cotidiana de luta por direitos”, afirma Cosentino, acrescentando que o Comitê foi uma articulação de movimentos sociais que se opôs às violações de direitos humanos ocorridas durante os grandes eventos esportivos.
Ele completa dizendo que a universidade pública precisa se aproximar dos movimentos populares para cumprir a sua função social e que a Universidade da Cidadania é um importante instrumento nesse sentido.
Cursos e parcerias
O projeto ainda não possui estrutura física. No entanto, há planos para este ano em relação a cursos e parcerias, e as expectativas são promissoras.
Atualmente, uma parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes está sendo articulada para a criação de um curso de extensão sobre Cultura e Políticas Públicas, destinado a produtores culturais populares.
Além disso, segundo Adriana, há a possibilidade da realização de um evento sobre os 100 anos da Revolução Russa, que está sendo articulado com outras universidades.
Outro projeto em debate é a organização de um curso “pré-pós-comunitário”, nos moldes dos pré-vestibulares comunitários, voltado a pós-graduandos que desejam ingressar no mestrado e precisam de orientação.
“A gente quer fazer um preparatório que seja voltado ao grupo dos negros, da classe trabalhadora, dos moradores de periferia, a fim de que possam se preparar para ingressar nesse funil que é a pós-graduação”, completa.
Os cursos da Universidade da Cidadania serão divulgados pelo site que será reativado em breve. As mídias sociais também serão boas aliadas à divulgação do projeto e suas parcerias.