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Carta das Águas de Macaé

Contribuição do NUPEM/UFRJ para a Governança dos Recursos Hídricos do Município de Macaé
Contribuição do NUPEM/UFRJ para a Governança dos
Recursos Hídricos do Município de Macaé
(Versão Resumida)
Para acessar a íntegra da Carta das Águas de Macaé, consultar site: www.macae.ufrj.br/nupem

Desde 1985 os pesquisadores do Núcleo em Desenvolvimento Socioambiental de Macaé (NUPEM/UFRJ) desenvolvem pesquisas nos diferentes ecossistemas do município de Macaé e região. Ao longo dessa trajetória foram acumuladas informações científicas e considerável experiência referente aos recursos hídricos do município.

Considerando a missão precípua do NUPEM de promover o desenvolvimento social ambientalmente sustentável, elencamos, nesse documento, pontos de uma agenda de discussão, com vistas à elaboração de políticas públicas consistentes com o objetivo de promover a governança dos recursos hídricos.
 
Da Origem da Água na Bacia Hidrográfica do Rio Macaé

As chuvas que abastecem as cidades litorâneas brasileiras são aquelas que são captadas por um determinado espaço territorial e, naturalmente, confluem para um determinado corpo hídrico, rio, represa etc. Esse território, assim como os corpos hídricos presentes no mesmo definem uma bacia hidrográfica. Os conceitos bacia hidrográfica tem assumido cada vez mais importância como unidade de planejamento e de gerenciamento e integração social e econômica, portanto foco maior das demandas por políticas públicas de curto e longo prazo.

Apesar da área do território parecer uma passiva área de captação, sabemos hoje que esse território é fundamental ne determinação do regime de chuvas, o que é feito devido a um especial tipo de evaporação feito pelas árvores, denominada evapotranspiração. Estudos científicos recentes, também mostram que as arvores produzem uma série de outros compostos voláteis que favorecem a formação de nuvens de chuva e que a copa contínua da floresta favorece a precipitação destas, neste território. Assim massas de ar que passam por grandes áreas de florestas produzem pelo menos o dobro de chuvas, quando comparado com massas de ar que transitam por áreas com pouca ou nenhuma cobertura florestal.

Portanto, podemos assumir que a quantidade de água na Bacia Hidrográfica do Rio Macaé depende da interação dos complexos fenômenos meteorológicos, sendo controlados pela: (1) à umidade de origem marinha, que é transportada pelas correntes de vento para a costa e região serrana; (2) à umidade resultante da evaporação de água da própria Bacia Hidrográfica; (3) às frentes frias oriundas do sul do continente, que ocorrem principalmente no inverno. Por fim, é importante considerar também o papel de correntes de umidade que trafegam como rios voadores pela atmosfera do continente sul americano, devido à atividade da vegetação da floresta amazônica, promovendo chuvas, prioritariamente, durante o verão.

A quantidade de água ou a vazão do Rio Macaé depende essencialmente das chuvas que caem sobre a sua bacia hidrográfica, que mede 1.765 km2 e se estende pelos municípios de Nova Friburgo, onde estão suas principais nascentes, Trajano de Moraes, Casimiro de Abreu, Carapebus, Rio das Ostras, Conceição de Macabu e Macaé, onde se encontra a sua foz. Sabe-se que conhecer a quantidade de água do Rio Macaé é um dos requisitos básicos para uma boa gestão hídrica garantindo a segurança hídrica da população, porém, a variação na quantidade de agua dos rios ao longo do ano ainda é pouco entendida, devido à ausência de dados sobre: (1) a vazão de agua longo de toda extensão do rio, (2) a qualidade da água, (3) a cobertura vegetal do entorno e (4) como se dá a ocupação humana e as alterações espaciais que interferem na conformação do território e, consequentemente, na capacidade de captação e escoamento da bacia.

Os estudos realizados até o momento, que mostram que ainda existe água suficiente no Rio Macaé para atender a demanda atual, estão ancorados em dados de vazão que precisam ser constantemente atualizados. O mesmo princípio se aplica às estimativas de crescimento populacional que, de fato define o consumo hídrico futuro.

Das Transformações Urbanas e Seus Impactos Sobre os Recursos Hídricos


Estima-se que cerca de 50% das áreas de florestas da Bacia Hidrográfica do Rio Macaé foi convertida em áreas de pastagens e áreas agrícolas. As consequências da remoção das matas ciliares do Rio Macaé e seus afluentes podem ser sentidas tanto nas áreas de morros, quanto nas áreas baixas, inclusive próximas à foz do Rio Macaé na área urbana de Macaé.

Especialmente nas últimas duas décadas, o avanço da urbanização no município de Macaé tem aumentado o risco de desmoronamento e soterramento de residências em áreas de morros e de inundações em áreas baixas, próximas a foz do Rio Macaé. O desmatamento em amplas regiões da bacia aumenta muito o volume de sedimentos erodidos e transportados pelas águas superficiais, que tendem a se depositar no fundo dos rios em um processo chamado assoreamento. O contínuo assoreamento leva a redução da profundidade do rio e da capacidade de armazenamento de água, tornando as cheias mais frequentes e extensas, especialmente no trecho médio e inferior do Rio Macaé.

A partir do ano 2000 se intensificaram ainda mais os processos de aterramento de áreas úmidas e de lagoas, comprometendo o controle do regime de cheias do município de Macaé. Os aterros atuais se concentram ao longo da parte inferior do Rio Macaé, uma vez aterradas, essas áreas forçam as águas por caminhos antes não alagados, normalmente por áreas onde a população de baixa renda estabeleceu suas moradias, gerando problemas sociais de grande alcance.

As eliminações das áreas úmidas da Bacia Hidrográfica do Rio Macaé representam uma grave agressão a estes ecossistemas, visto que são de grande importância como berçário para os peixes e outros organismos aquáticos, e área de alimentação para inúmeras espécies de pássaros migratórios.

Em síntese, ao permitir o aterramento de áreas úmidas ao longo do Rio Macaé, o município está criando grandes problemas para as gerações atuais e futuras, aumentando as frequências e as extensões das inundações e reduzindo a disponibilidade de água, na medida em que destruímos os locais de armazenamento das águas durantes as chuvas.

Por fim, as taxas ainda muito reduzidas de tratamento do esgoto produzido em Macaé representam um dos principais problemas de saúde pública deste município. Uma das principais consequências do lançamento de esgoto nos corpos hídricos é a sua degradação sanitária e o consequente comprometimento da saúde de seus munícipes.

Além destas fontes de degradação sanitária dos recursos hídricos, pesquisas realizadas pelo NUPEM/UFRJ, apontam outras fontes como: a presença de agentes poluidores conhecidos como disruptores endócrinos. Estes são moléculas presentes nos esgotos, que tem origem de remédios consumidos pelos humanos e animais domésticos, pesticidas e inseticidas que, quando ingeridos, através do consumo da água contaminada com esgoto, podem potencializar ou inibir vias endócrinos podendo causar diversos distúrbios como mal funcionamento da glândula tireoide, ovários, testículos, entre outros órgãos.

Das Previsões Sobre as Mudanças Climáticas

Os pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças climáticas (IPCC), apontam que está em curso um processo de mudanças climáticas, que irá afetar importantes processos ambientais, econômicos e sociais, com possíveis prejuízos à população brasileira. Estes estudos preveem que as mudanças climáticas em curso, alterarão diretamente o clima do país, podendo intensificar as características climáticas de cada região, que tenderão a se manifestar na forma de tempestades ou secas severas.

Os extremos climáticos podem afetar a segurança hídrica e impor à população um regime diferenciado e imprevisível de ações, visando garantir a disponibilidade de água doce para atender a crescente demanda da sociedade. Como por exemplo podemos citar os eventos atuais de seca extrema que resultou na escassez de água doce em grandes cidades do sudeste e na adoção de medidas de racionamento.

Além dos riscos à segurança hídrica os longos períodos de seca comprometem ainda mais as áreas florestadas, que, conforme apresentado no início dessa cara são as grandes produtoras de água. O fogo entra na floresta, queima raízes superficiais e mata até mesmo árvores grandes. Eventos periódicos de queimadas com a sucessiva morte de árvores adultas, fornecedoras de propágulos responsáveis pela produção das novas gerações de plantas, promovem a perda de diversidade biológica e, principalmente, a perda de nutrientes, na forma de fumaça, fuligem ou pela lixiviação. A recuperação de uma área pobre em nutrientes é possível, porém a floresta que irá se estabelecer irá encontrar um ponto de equilíbrio diferente, com menor diversidade, sem a presença de árvores de grande porte ou com menor biomassa vegetal.

Sobre a Gestão dos Recursos Hídricos no Município de Macaé

A atual crise da água no Sudeste do Brasil chamou atenção para um problema, que há muito já havia sido apontado pelos especialistas da área de recursos hídricos: a quase totalidade dos municípios do país não dispõe de qualquer política de governança para os recursos hídricos. Nos poucos municípios onde ocorre alguma governança, essa acontece de maneira muito fragmentada, por meio de várias secretarias e autarquias que opinam, simultaneamente, sobre a gestão dos recursos hídricos, sem contudo trocarem informações, dividirem tarefas, tampouco, apresentarem resultados consistentes e práticos.

Das Propostas do NUPEM/UFRJ para a Segurança Hídrica

Para que a quantidade e a qualidade da água a ser ofertada à população do município de Macaé não seja comprometida é urgente a tomada de consciência por todos os segmentos da sociedade macaense, sobre a vital importância deste tema e que sejam adotas, em menor prazo possível, medidas para:

  • Interromper as diferentes formas de degradação dos recursos hídricos;
  • Restaurar os recursos hídricos, priorizando os passíveis de restabelecer seu potencial como fonte de água em menor prazo;
  • Preservar aquelas áreas ainda existentes em condições ecológicas adequadas para contribuir com a estabilidade hídrica;
  • Fortalecer políticas de proteção de recursos hídricos;
  • Promover a gestão participativa dos recursos hídricos;
  • Institucionalizar Programas de Educação Ambiental com foco em Recursos Hídricos.

Por fim, o NUPEM/UFRJ se coloca à disposição da sociedade macaense para, através de seu corpo de pesquisadores, servidores, alunos de graduação e pós-graduação, envidar todos os esforços para que o município de Macaé não venha a ter seu desenvolvimento humano e econômico, destacando algumas das ações que o NUPEM/UFRJ pode disponibilizar à sociedade macaense, em curto prazo:

1- Oferecimento de cursos de capacitação, no contexto de uma visão sistêmica e interdisciplinar dos recursos hídricos, para os profissionais da Prefeitura de Macaé;

2- Oferecimento de cursos de Educação Ambiental em todos os níveis focando os diferentes ecossistemas do município, especialmente os ecossistemas aquáticos;

3- Apoio técnico e treinamento para produção de mudas de espécies nativas, que serão utilizadas nos programas de restauração de áreas degradadas da Bacia Hidrográfica do Rio Macaé;

4- Levantamento florístico e faunístico das Unidades de Conservação já criadas;

5- Apoio técnico para a elaboração de propostas para a criação de novas Unidades de Conservação do município;

6- Apoio técnico para criação de Reservas do Patrimônio Particular Natural (RPPN);

7- Apoio a programas de monitoramento físico, físico-químico e biológico da qualidade da água e de outros compartimentos dos ecossistemas aquáticos.

8- Apoio técnico e treinamento na área de ecotoxicologia, focando potenciais contaminantes da água e sua ação tóxica a saúde humana e animal.

9- Apoio ao poder público municipal na busca de soluções referentes às questões relacionadas aos recursos hídricos, que fazem parte da expertise científicas de outros institutos da UFRJ e de outras instituições de pesquisas do país.

10- Suporte às atividades do poder público municipal referentes a governança dos recursos hídricos, como seminários técnicos, fóruns, reuniões temáticas e outros eventos técnicos científicos, fornecendo apoio logístico como auditório, salas de reuniões, entre outros.

Francisco de Assis Esteves
Rodrigo Lemes Martins
Mauricio Mussi Molisani
Rafael Nogueira Costa
Ana Cristina Petry
Fabio Di Dario
Jackson de Souza Menezes
Marcos Paulo Figueiredo de Barros
Michael Maia Mincarone
Pablo Gonçalves
Rodrigo Nunes da Fonseca


Esta carta foi aprovada pelo Conselho Deliberativo do NUPEM/UFRJ em sua reunião do dia 19 de Março de 2015