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Artigo: A mediação na contramão

Originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 05/02/2014.

Por Cristina Ayoub Riche e Gabriela Assmar

O Brasil é um país maravilhoso sob vários aspectos! O que causa espanto são as situações que poderiam ser resolvidas de modo mais eficiente, entretanto, andam na contramão da história!

Temos um Judiciário emperrado com mais de 90 milhões de ações pendentes. Já o mercado de arbitragem, consolidado em função da força vinculante da cláusula compromissória, está restrito a casos com valor acima dos milhões. E o Projeto de Lei sobre mediação – PLS nº 517/11 – começou com uma proposta bastante alinhada com as experiências bem-sucedidas e saiu do Senado, nos últimos dias de 2013, no exato caminho do que não funcionou nos países que adotaram legislação semelhante.

A experiência da mediação nos EUA e na Europa confirma que a mediação é um excelente método de resolução de conflitos – muito mais barato, célere e qualitativamente incomparável – desde que se consiga promover um procedimento de mediação adequado e de qualidade A mediação para funcionar no Brasil requer uma lei exequível, não basta, tão somente,a existência de uma lei que dê forma ao instituto. Todos sabemos que por mais benéficos para o bem-comum, alguns comandos legais, como, a Lei Seca, a Lei Antitabagismo, a Lei de trânsito, sem a previsão de multas não teriam "pegado". A mediação pode ajudar na solução de problemas complexos e salvar relações de cunho interpessoal, comercial, familiar ou socioambiental. Mas a decisão pela mediação precisa ser anterior (por contrato) ou exterior (por força de lei ou do Judiciário) ao litígio. Isso porque, diante da iminência de sua exclusão (seus valores, direitos ou recursos) o funcionamento do nosso cérebro sempre nos leva ao comportamento de combate. Como comprovado em pesquisa da Comunidade Europeia, pouquíssimos fazem a opção voluntária pela mediação depois de o conflito estar instalado, mesmo conhecendo seus benefícios.

O contrato ou a lei deveriam tornar uma primeira reunião com o mediador obrigatória.

Embora não se possa obrigar ninguém a participar de uma mediação, o contrato ou a lei deveriam tornar uma primeira reunião com o mediador obrigatória, essa etapa é fundamental para a formação de uma cultura focada na compreensão e pacificação das partes. A primeira versão do texto do PLS 517/11 previa força vinculante para a cláusula de mediação como etapa anterior à arbitragem ou ao Judiciário e a possibilidade do juiz determinar que as partes tentassem mediação judicial. No decorrer da tramitação do PLS 517/11, foram apensados outros projetos que geraram um substitutivo bem escrito mas inviável para a criação de uma cultura de mediação. Pelo novo texto, ainda que se tenha a previsão contratual ou que o juiz determine, é necessário enviar um convite à outra parte e, caso esta o recuse ou sequer responda, nada mais poderá ser feito para que a mediação tenha sua chance. A mediação, nesse caso, é natimorta!

Parece que o Judiciário quer diminuir sua sobrecarga trazendo mais funções para si. Também é sabido que nos EUA e Europa a demanda por arbitragem tem diminuído, ano após ano enquanto a mediação cresce por motivos óbvios. Só na Itália, a União das Câmaras de Comércio estimou em 480 milhões de Euros (de setembro 2011 a setembro 2012) a economia gerada para a sociedade graças a uma lei que obriga apenas o comparecimento a uma primeira reunião de mediação. Imaginem a proporcionalidade desse fenômeno no Brasil…

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, como única comissão a discutir o PLS 517/11, em decisão terminativa, encerrou 2013 na contramão! Agora, em 2014, o projeto vai à Câmara, momento em que poderá ser modificado, para retornar ao Senado em um rumo promissor. "Vamos torcer! Vamos cobrar!"

Cristina Ayoub Riche e Gabriela Assmar são, respectivamente, advogadas e mediadoras de conflitos, membros da Comissão de Mediação da OAB-RJ.

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