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Memória

A invenção da Zona Sul carioca

Para compreender o Rio de Janeiro de hoje, Julia O’Donnel, doutora em Antropologia pelo Museu Nacional da UFRJ, pesquisou durante um ano e meio a década de 1920 carioca, época de intensas transformações urbanas, que colaboraram para viabilizar a formação de um espaço estratificado socialmente. O resultado desse trabalho foi a publicação do livro A invenção de Copacabana.

Vaga de estacionamento

Em 2006, O’Donnel presenciou uma cena que lhe chamou a atenção e foi fundamental para sua pesquisa: a disputa por uma vaga de estacionamento em Copacabana. Naquela ocasião, uma senhora acusou a outra de suburbana, gerando uma intensa discussão entre elas. “Então, eu me indaguei que situação era aquela, que poder simbólico existia na palavra ‘subúrbio’. Porque a outra ficou visivelmente incomodada quando foi chamada de suburbana”, observa.

Nos anos de 1920, segundo a doutora, inicia-se essa configuração espacial com a qual o carioca está acostumado: Zona Sul e subúrbios. Com a criação, em 1919, das avenidas Vieira Souto, Delfim Moreira e a expansão e melhoria da Niemeyer, inaugurada em 1916, os bairros da Zona Sul passam a ser ocupados de forma sistemática. Na mesma época começam a surgir as favelas, assunto discutido pela imprensa como um problema social.

Importância de Copacabana

Enquanto analisava os jornais antigos, a literatura, a professora percebeu a importância que Copacabana tinha, sendo impossível separar a urbanização do Rio na segunda década do século XX do crescimento desse bairro. “Copacabana era associada, nos jornais, na literatura e em outras mídias, à ideia de riqueza, ao lugar das coisas boas da vida”, afirma.
 

Assim, as pessoas de alto poder aquisitivo, hegemonicamente, abraçam essa ideia e vão morar em Copacabana. “Isso, contudo, começa a se modificar a partir da década de 30 e, sobretudo, 40, com a construção de prédios e de apartamentos com unidades menores. Diante desse processo, as pessoas de classe média vieram morar em Copacabana”, analisa.

Formação de uma cultura praiana

Em relação à formação dessa cultura praiana do Rio, característica ímpar da cidade, O’Donnel aponta a necessidade dos moradores da Zona Sul daquela época em afirmar que a última moda era morar perto da praia, ao mesmo tempo que também ocorre uma valorização internacional do banho de mar.

“Antigamente não se tomava banho de mar por lazer. Era apenas por recomendação médica até o século XIX. Dizia-se que curava histeria, problemas de pele e de depressão. Somente a partir da década de 1910, na Europa e depois no Brasil, se começa a valorizar o banho de mar como algo que proporciona prazer. O espaço da praia se torna um lugar de sociabilidade, de encontrar amigos, de jogar peteca”, explica.

Por fim, a doutora ressalta que o seu estudo desnaturaliza certas ideias e noções. O glamour ostentado pelos moradores da Zona Sul, de não conseguir imaginar o Rio sem essa cultura praiana, por exemplo, não é de maneira alguma algo natural. “Isso é resultado de um processo, de uma construção social, que ajuda a entender por que a Zona Sul carrega esse status e como um apartamento lá custa bem mais do que em outro lugar”, finaliza.