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Nepp−DH realiza debate sobre a descriminalização das drogas

 “Liberar: sim ou não?” Essa foi a principal pergunta trazida para o âmbito acadêmico através do seminário “Descriminalização das drogas: políticas comparadas Uruguai−Brasil”. Organizado e coordenado pela professora Patrícia Rivero, do Grupo de Estudos da Sociedade Contemporânea (Gesoc), vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp−DH), o debate aconteceu na última terça feira (27/11), no auditório anexo do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), situado no campus da UFRJ na Praia Vermelha. O debate, que  reuniu alunos de diversos cursos e unidades, contou com a participação da senadora uruguaia Constanza Moreira e do antropólogo brasileiro Luiz Eduardo Soares.

Patrícia Rivero apresentou dados do comércio internacional de drogas e criticou a falta de especificidade do combate internacional a elas, tratadas no mesmo pacote  “crime organizado, terrorismo, corrupção”. Ao expor o caso do Rio de Janeiro, Patrícia trouxe índices e mapas do Instituto de Segurança Pública (ISP), Polícia Civil do estado,  Data-SUS e Ministério da Saúde, que analisam o narcotráfico e os homicídios na zona metropolitana, antes e depois da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Os números revelam uma distância entre pontos de venda de drogas e as áreas de maior índice de criminalidade. “Podemos relacionar armas com homicídios, mas não a distribuição das drogas com estes crimes”, afirmou Rivero. Sobre a escolha dos locais onde as UPPs estão instaladas – zonas sul, norte e centro da cidade, onde se espera maior visibilidade e retorno por conta do turismo, no contexto dos megaeventos esportivos internacionais nos próximos anos –, a professora comentou: “Há uma clara relação entre as políticas de pacificação e os eventos globais que a cidade está esperando”.

Constanza Moreira, senadora da Frente Ampla no Uruguai – partido político que propõe a regularização da maconha e derivados no Uruguai, acompanhada de políticas para a   diminuição dos danos do vício, como objetos da saúde pública –, analisou a situação do país e criticou a criminalização das drogas. “Isto impede o Estado de conhecer as reais necessidades e características do consumidor, cada vez mais ligado ao contexto social”, afirmou.

Segundo a senadora, entre as propostas da nova lei, estão a limitação do consumo, cultivo e distribuição como forma de controle do Estado sobre a produção, a fim de combater o tráfico – parte da pauta da segurança pública, prioridade do país. Para Constanza, diante do fracasso da guerra contra as drogas, além de se pensar na legalização, é preciso resolver a outra etapa: o tratamento psicossocial. “É preciso incluir, e não excluir, o viciado”, argumenta, ao ser questionada sobre a proposta de internação compulsória.

Cultura do medo

Seguindo o raciocínio, Constanza ataca os interesses por trás dessa proposta, assim como da diminuição da maioridade penal. “Acredito que sejam reflexos da sobreposição da segurança sobre os direitos, tão presente na mídia e nos interesses das instituições. Há mais gente preocupada com a segurança do que com a saúde dos viciados. A lei pode passar, mas não há condições de cumpri-la, pois não é possível internar  todos. O mesmo eu penso sobre a diminuição da idade penal, que, somada a isso, só aumentará a população carcerária no país”, ressaltou.

 Luiz Eduardo Soares – ex-secretário de Segurança  no governo de Antony Garotinho – manteve o debate acerca da “cultura do medo”, que gera a pressão social pela priorização da segurança pública, e alertou para o aumento da população carcerária do Brasil, que reproduz desigualdades. “Há diferenças de tratamento dos juízes para com as classes sociais, reflexo do pensamento da sociedade”, afirmou o antropólogo. De acordo com Soares, 65% dos casos de prisão por tráfico não têm relação direta com a violência, armas,  nem provas de vínculos com organizações criminosas.

Além de perceber o debate sobre a legalização como fortalecedor da democracia, um dos autores de Elite da Tropa, livro que inspirou o filme Tropa de Elite, lembrou que, embora o álcool provoque tantas mortes no Brasil, seu comércio e o consumo são legalizados. O antropólogo citou exemplos de campanhas fracassadas, como da Lei Seca – ineficiente na conscientização e facilitadora da corrupção no trânsito  –, e outras bem-sucedidas. “O sucesso da campanha da Aids no Brasil virou referência no mundo todo; e era um tema que não se discutia”, comparou.

Por que nos drogamos?

Para Soares, a descriminalização das drogas poderia se pautar nas campanhas antitabaco, que conseguiram diminuir o fumo sem criminalizá-lo. “Temo que essa distinção implique a defesa do consumidor e a demonização do fornecedor”, refletiu. Apesar de enxergar dificuldades de se levar em conta o respeito dos dois lados na implementação da política, o antropólogo enxerga a liberação como a maneira mais eficaz de ordenar o caos, uma vez que a guerra internacional ao narcotráfico tem perdido espaço para os interesses econômicos. “Não há como impedir que as pessoas encontrem drogas, e a mudança de normas não vai aumentar isso. Os países que flexibilizaram não experimentaram mudanças significativas no consumo”, argumentou.
  
Por fim, o palestrante lembrou que, antes de se decidir legalizar, é fundamental avaliar a conjuntura. “Por que as drogas ilícitas são procuradas? O que condiciona a busca de substâncias que alteram a consciência? Só buscando essas respostas é que podemos apreender as fontes alternativas de valor e a multiplicidade de experiências procuradas pelos usuários. Só assim conseguiremos criar políticas públicas mais eficientes”, concluiu.