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Curso aborda a questão da população adulta em situação de rua

“O patrão chamou-o e disse, num tom quase casual, que ele estava despedido: contenção de custos, você sabe como é…”, escreveu Moacyr Scliar na crônica O nascimento de um cidadão. O texto, que fala sobre um desempregado que vai para a rua, foi escolhido pela professora palestrante Mariléa Venâncio Porfirio, diretora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp-DH), para a terceira aula do curso de extensão “Direitos Humanos na Atualidade”. A apresentação ocorreu dia 17 de outubro no auditório anexo do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ.

A aula, que tratava dos direitos humanos e políticas públicas para a população em situação de rua, iniciou-se com um vídeo produzido pelo Movimento Nacional de População de Rua, grupo formado por homens e mulheres que reivindicam a garantia de direitos e a dignidade humana.  A partir da apresentação do vídeo, Mariléa levantou questões, dentre as quais a ausência de medidas eficazes do poder público. “A situação de rua não é um mero fenômeno, mas uma expressão da questão social. O termo ‘situação de rua’ já denota uma condição que não pode ser permanente, pois a rua não é um local adequado para se levar a vida”, disse a professora.

Mariléa expôs as principais causas do problema, sendo uma delas “a enorme desigualdade social existente no Brasil, potencializada pelo neoliberalismo, que se reflete num Estado cada vez mais ausente nas políticas sociais”. E, por isso, de acordo com a diretora do Nepp-DH, o Estado também contribui para a destituição de direitos, na medida em que desumaniza homens e mulheres com medidas radicais como choque de ordem e higienização das ruas. “O impedimento de permanecer em determinados lugares é a retirada do direito de ir e vir. Isso mostra que as noções de liberdade e igualdade não valem para a população em situação de rua. E, também, quando o Estado não se compromete a garantir políticas para essas pessoas, ele não entende que elas também são detentoras de direitos”, avaliou.

Por outro lado, Mariléa explicou que essa desumanização gera uma falta de solidariedade, uma hostilidade no meio social. “Quando nos deparamos com essas figuras ‘estranhas’, não conseguimos lembrar que também são sujeitos de direitos como nós”, afirmou. Ainda de acordo com a professora, “a violência simbólica, somada à falta de políticas públicas, dificulta ainda mais a reinserção social dos que se encontram na extrema situação de precarização e vulnerabilidade”.

Abrigos não funcionam

Ao analisar a crônica O nascimento de um cidadão, Mariléa fez uma leitura da história contada como um exemplo recorrente do que leva indivíduos para a rua: o desemprego. “Aliadas a este, existem muitas outras questões, e a crônica mostra isso. Essas pessoas, com pouca qualificação, são as maiores vítimas da flexibilização econômica”, observou. A professora lembrou também o surgimento de outros problemas que aparecem em cascata, como a dependência de drogas, o corte dos laços familiares e, por fim, o abandono do lar.

“Não adianta recolher para abrigos, pois eles vão voltar”, afirmou Mariléa, numa crítica à falta de projetos de políticas públicas e à postura coercitiva do Estado para com os "desabrigados". “O nosso olhar não tem que ser bondoso, mas crítico. Se somos uma sociedade que trabalha pela garantia de direitos, é preciso analisar essa questão de forma a não naturalizar, nem criminalizar e culpabilizar os que se encontram em situação de rua”, finalizou a professora.