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Ebserh em debate no Ipub

Profissionais discutiram sobre a estatal, criada pelo Ministério da Educação, para apoiar hospitais universitários federais.

Um debate sobre a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), promovido pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub), no dia 24 de setembro, trouxe à comunidade acadêmica e, em especial, aos funcionários do Instituto, uma série de questões e esclarecimentos sobre a empresa, criada pelo Ministério da Educação, para apoiar hospitais universitários federais.

Com mediação da diretora do Ipub, Maria Tavares Cavalcanti, a mesa teve palestras dos professores Nelson Souza e Silva, diretor do Instituto do Coração Edson Saad da UFRJ (Ices); Amâncio Paulino de Carvalho, da Faculdade de Medicina e assessor da Reitoria para Desenvolvimento e Gestão em Saúde; do procurador federal da UFRJ, Renato Vianna; e Lucieni Pereira, presidente da recém-criada (10 de agosto) Associação Nacional de Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), sociedade civil com fins não econômicos, de natureza jurídica privada.

O Ipub é uma das oito unidades hospitalares da UFRJ que já sinalizaram apoio à abertura de negociações com a Ebserh, empresa que integra o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), cujas ações visam garantir a reestruturação física e tecnológica, bem como solucionar problemas de recursos humanos desses hospitais.

Autonomia

Para o professor Nelson Souza e Silva, selar um contrato com a estatal significaria interferir na autonomia universitária e na tríade ensino, pesquisa e assistência: “Haverá alienação de bens, durante um período determinado, para que esta empresa se locuplete na universidade. A universidade é autárquica, autônoma, esses princípios são inegociáveis. A criação da empresa é uma mudança de gestão de autarquia para empresa pública”, criticou.

 Em contrapartida, o professor Amâncio Carvalho explicou que, caso a UFRJ opte por aderir aos serviços da Ebserh, não haverá transferência de bens e que a presença da estatal se destina principalmente à disponibilização de recursos humanos, não interferindo na autonomia em pesquisa e ensino. “Os hospitais precisam de uma dinâmica que não é correlata com nenhuma estrutura da universidade”, afirmou.

“Empresa visa lucro, se não for isso, não é empresa. O princípio do SUS é a descentralização. Estamos fazendo o movimento contrário, de centralização? Se entrego a gestão para outro, já estou ferindo a autonomia universitária. Cabe à universidade propor novas formas de gerência”, defendeu Nelson.

“É uma empresa dependente de orçamento, portanto, não subordinada à lógica do lucro, e eventuais superávits devem ser aplicados nos hospitais universitários”, disse Amâncio.

Para o professor Amâncio, os Hospitais das Clínicas da USP, em São Paulo e Ribeirão Preto, referências nacionais em pesquisa, são um bom exemplo de como a associação entre duas entidades públicas pode funcionar, sem que a autonomia das instituições de ensino seja prejudicada: “Existe uma autonomia relativa importante e isso não impede, do ponto de vista jurídico, que esses hospitais, que não pertencem à universidade, funcionem muito bem. Eles têm o seu próprio percentual [estadual] de orçamento e uma garantia específica de financiamento para suas atividades”.

Para Nelson Souza e Silva, o problema na gestão dos hospitais poderia se resolver com aumento nas verbas: “Entregue o orçamento para a universidade”, criticou.

O procurador federal da UFRJ, Renato Vianna, lembrou que caberá à universidade discutir os termos do contrato e questioná-los quanto à interferência ou não em sua autonomia.

Segundo procurador federal, argumento da privatização não é válido

Uma das discussões mais recorrentes em torno da Ebserh trata de sua natureza jurídica. Mesmo sendo uma empresa estatal, de capital integralmente público, existe a preocupação de sua abertura a planos de saúde e mesmo a outras empresas da iniciativa privada.

De acordo com Lucieni Pereira, a empresa seria um “balão de ensaio” para um projeto maior de privatização, engendrado pelo Governo: “O que se quer é transformar a universidade toda numa fundação estatal de direito privado e operar sob a ótica privada”, criticou a representante da ANTC, instituição criada em agosto deste ano.

Para Renato Vianna, existe muita desinformação sobre a lei de criação da estatal e sua forma de atuação: “A lei é bem clara. Os funcionários serão contratados por concurso público. O modelo que foi desenhado para a Ebserh é de uma empresa pública, prestadora de serviço público”, disse. “Dizer que plano de saúde vai entrar na Ebserh acho que não é o debate ideal, porque a lei veda, expressamente, em mais de um dispositivo, a contratação de plano de saúde”, completou.

Para o procurador, o argumento de abertura a capital privado não se sustenta, visto que a Ebserh não se constitui como empresa de exploração econômica e foi criada para dar maior flexibilidade à gestão dos hospitais universitários através de contratos de adesão.

“A ligação é contratual, a Ebserh será uma contratada da universidade. Dentro da lógica jurídica, o contratante é quem dá as cartas”, explicou.

“Há hospitais mantidos com dinheiro público, que atendem planos de saúde. Isso não atende aos princípios constitucionais de um serviço público de saúde universal”, argumentou Lucieni. Ela aponta a distinção, em hospitais do SUS, entre usuários de planos de saúde privados e usuários gerais do sistema público, como um dos problemas enfrentados na rede pública de saúde. Entretanto, Renato Vianna e o professor Amâncio Carvalho enfatizaram que a lei não permite esse tipo de convênio.

“Ela não pode deixar de respeitar o que está na lei: atendimento 100% SUS e necessariamente gratuito”, argumentou Amâncio. O professor lembrou que a Ebserh surge num contexto em que o Tribunal de Contas da União pressiona as universidades federais a resolverem o problema da mão de obra terceirizada em seus hospitais.

Leia também: O que é Ebserh?

Unidades da UFRJ e universidades sinalizam adesão

Alternativa às Organizações Sociais de Saúde (OSS) e às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), a Ebserh é, desde o início do ano, gestora do REHUF. Um de seus principais objetivos, segundo o Governo Federal, é a recomposição de força de trabalho dos hospitais universitários.

Hoje, das 32 universidades federais que possuem hospitais universitários, metade já iniciou o diálogo com a empresa, para estudos de adesão aos seus serviços. Na UFRJ, a Faculdade de Medicina, oito hospitais que atendem o público, dezoito unidades do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e o Conselho Superior de Coordenação Executiva (CSCE) emitiram pareceres favoráveis à abertura de negociações com a Ebserh.

Em maio deste ano, por decisão unânime de seus membros, o CSCE autorizou o reitor da UFRJ, Carlos Levi, a dar início à realização dos estudos diagnósticos necessários à definição dos termos do contrato de adesão à Ebserh. Em sessão do Conselho Universitário (Consuni), em julho, Levi afirmou que não seria uma decisão simples ignorar o aporte de recursos vindos com a empresa, frente aos problemas que enfrentam os hospitais da UFRJ.

Caberá ao Consuni a análise final da minuta de contrato a ser elaborada pela estatal e a decisão sobre a adesão ou não da UFRJ aos serviços da Ebserh.