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Estudo demonstra as assimetrias dos burocratas do Banco Mundial e do FMI

Na última terça-feira (07/06), Feliciano Sá Guimarães, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro apresentou o estudo A Autonomia Burocrática das Organizações Financeiras Internacionais: um estudo comparado entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Com o objetivo de compreender as razões da maior autonomia burocrática do Banco Mundial em relação ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o professor traçou os perfis institucionais dos dois organismos internacionais.

Segundo a pesquisa, as razões desta diferença residem na burocracia com experiência mais diversificada do Banco Mundial em contraste com a burocracia com experiência mais rígida do FMI. De acordo com Guimarães, uma burocracia mais diversificada aumenta as possibilidades de formação de coalizões com ONGs em torno de políticas de interesse comuns. Estas coalizões aumentam os custos de intervenção dos Estados para alterar ou barrar as politicas defendidas pelo corpo burocrático. Dessa forma, quanto maior a diversidade de conhecimento da burocracia internacional, maior será a possibilidade de formação de coalizões com ONGs em torno de políticas de interesse de ambos, favorecendo uma ampliação da autonomia burocrática.

O professor, antes de demonstrar como o Banco Mundial e o FMI se estruturam, explicou a origem do conhecimento múltiplo. “Uma expertise diversificada é resultado da origem profissional, técnica e ideológica mais plural dos burocratas,” disse.  “Já uma expertise mais rígida ou coesa é conseqüência de um corpo burocrático composto majoritariamente por um único tipo de profissão ou perspectiva ideológica”, esclareceu.

Na visão do docente, profissionais com experiência múltipla são canais por onde as alianças com o terceiro setor se fundamentam. “Eles conheciam a lógica de ação desse setor e ajudaram a inserir as ONGs no processo decisório da organização”, definiu. “O intuito era criar alianças externas que influenciassem favoravelmente a opinião pública dos países do G-7 em relação às policies de sua preferência”, completou.

O estudo demonstra que, no caso do FMI, o recrutamento foi fortemente centralizado nas mãos do G-7 e do Senior Management (Gerência Sênior), o que não propiciou a criação de uma burocracia com experiência diversificada. Já o Banco Mundial estabeleceu um caminho diferente. O professor explicou que a abertura do Banco às ONGs estava relacionada a dois fatores ocorridos nos anos 1980 e 1990. “Primeiro, é diagnosticado que a eficiência dos programas de desenvolvimento seria maior se fossem incorporadas as visões e críticas do 3º setor. Segundo, houve uma pressão de ONGs por reformas no Banco Mundial após desastres ambientais e sociais de projetos de desenvolvimento ocorridas naquele período”, disse.

Foi nesse período que o Banco Mundial realizou reformas com o objetivo de abrir a organização para a sociedade civil organizada. “Foi a partir dos impactos da implementação do Strategic Compact (programa de reestruturação institucional ocorrido em 1995) que a organização pôde galgar níveis mais altos de autonomia burocrática”, pontuou. O professor ressaltou a importância de profissionais de diversas áreas (principalmente ambiental e social) na composição da instituição, o que estimulou a formação de “subcomunidades epistêmicas”.

Ao analisar o FMI, o pesquisador pôde perceber que o fundo monetário não desenvolveu o mesmo “processo de irradiação intra-institucional” que ocorreu no Banco Mundial. Segundo o professor, as influências dos EUA e do G-7 têm um papel importante no controle da burocracia e, por conseqüência, das políticas do FMI. O docente enumera três fatores que pesam mais na instituição: proximidade do candidato com os EUA; profissão (economista) e experiência no setor financeiro de governos dos países mais importantes da organização. “Esse tipo de recrutamento tem dois efeitos: uma alta concentração de americanos e europeus entre os profissionais e uma concentração ainda maior de economistas com formação em universidades americanas e européias”, classificou.

Dessa forma, há uma redução da contratação dos chamados economistas heterodoxos e uma eliminação de pessoal com outros tipos de conhecimentos (ambiental, sociológico, etc), o que acaba por diminuir o nível de dissenso dentro do fundo monetário. “Não há no FMI um fórum institucionalizado de relacionamento com as ONGs nos mesmos moldes do Banco Mundial. As reuniões acontecem sem periodicidade e refletem agendas temporárias da organização”, comparou.  “Por não ter comunidades epistêmicas que poderiam construir alianças com o terceiro setor em torno de políticas de interesse dos dois, a burocracia do FMI fica isolada na defesa de interesses próprios”, concluiu.