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Diversidades e complexidades urbanas

O Colóquio Internacional Fronteiras e diversidades culturais no século XXI: desafios para o Reconhecimento no Estado Global apresentou, na última quinta (02/06), o tema Territórios e Fronteiras: a Diversidade da Cidade. Estiveram presentes Bárbara Freitag Rouanet, professora emérita do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Ana Maria Peçanha, professora do Centre d’études sur l’actuel et le quotidien – Université Paris V/René Descartes e Marta Irving, coordenadora do Observatório de Área Protegidas e Inclusão Social. O evento é promovido pelo Programa EICOS de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social e pela Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Bárbara Rouanet iniciou o colóquio com a exposição de um estudo que analisa as fronteiras e as diversidades entre as cidades de Berlim e Rio de Janeiro. “Há algum tempo eu dedico a minha vida a estudar cidades”, afirmou. A docente ressaltou as similaridades entre os dois locais, como o fato de elas serem cidades caras para morar, já terem sido capitais de impérios e terem sofrido cisão de território. Freitag Rouanet declarou que sua experiência na capital alemã colaborou muito com a pesquisa. “Cada rua e cada bairro de Berlim tem uma história para mim”, disse.

A especialista utilizou dois pares de conceitos para estruturar o pensamento. O primeiro par é a noção de capitalidade (cidade com os traços mais significativos de uma sociedade com um todo) e orfandade (cidades que deixaram de ser capitais). Segundo Bárbara Rouanet, tanto Berlim quanto o Rio tem a presença da capitalidade, porém já sofreram com o efeito da orfandade. No caso alemão, isso aconteceu quando a capital foi transferida de Berlim para Bonn, após a segunda Guerra Mundial. Já no caso brasileiro, a orfandade apareceu quando o Rio perdeu o posto de capital federal para Brasília.

O outro par de conceitos é cidade educadora e deseducadora. Na visão da especialista, “tanto Berlim quanto Rio têm a característica de serem cidades educadoras e com capitalidade”. “É como se fossem vitrines”, afirmou. Segundo a análise da professora, a cidade alemã mostrou vigor e recuperou-se com força dos estragos da segunda Guerra Mundial. Entretanto, o mesmo não se pode afirmar com veemência sobre a capital carioca. “Berlim superou a condição de orfandade deixada pelos aliados e conquistou a maioridade. No caso do Rio, ainda não temos certeza se essa cidade partida entre morro e asfalto já se integrou”, explicou. Contudo, Bárbara Rouanet indica que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 podem influenciar positivamente. “Com esses eventos, a cidade tem condições de conquistar a taça digna da capitalidade”, concluiu.

Em seguida, Ana Maria Peçanha abordou o trabalho “Somos todos livres para escolher as fronteiras da moda?”. “O objetivo é pensar a moda e o corpo que aporta através de similaridades e diferenças”, esclareceu. Durante a apresentação, a professora montou um panorama atual, encadeando desigualdade social com desrespeito a natureza. Ana Maria também explicou a relação tempo-corpo e tempo-moda. A docente classificou o desfile como o “teatro da moda” e o classificou como resultado de um trabalho de equipe. Ao final de sua apresentação, a professora afirmou que, apesar de toda automação na indústria de roupas e acessórios, a produção artesanal individual é a única forma de atender uma solicitação repentina.

Já Marta Irving abordou diversas temas que geram contradição no âmbito urbano. “As cidades tipificam esse terreno pulsante dessas assimetrias”, afirmou. Um desses pontos de análise é a relação entre proteção da natureza e desenvolvimento industrial. Na opinião da professora, não há impedimentos concretos para que haja cooperação entre as duas áreas, mas existe uma pressão capitalista para manter os mesmos padrões de antes.

A professora demonstrou surpresa com os números do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que constatou que a população das cidades já superou a quantidade de pessoas moram no meio rural. “As grandes questões dos próximos anos serão as questões urbanas”, disse.

Ao olhar o contexto internacional, a professora percebeu que há uma valorização do imaterial e do intangível no desenvolvimento das cidades. Marta também analisou a ideologia dos produtos ecologicamente corretos. “Toda a estruturação do consumo verde se configura como uma lógica individualista”, observou.

No cenário brasileiro, Marta Irving destacou que o Brasil possui políticas públicas avançadas apenas nos seus discursos. “As políticas públicas brasileiras são absolutamente esquizofrênicas quando são colocadas na prática”, criticou. Para ilustrar o caso, Marta citou a polêmica do Código Florestal e o posicionamento da nação em fóruns mundiais. “O Brasil, nas conferências internacionais, afirma respeito ao meio ambiente, mas aprova uma reforma que descriminaliza aquilo que é punido por lei”, disse.

Ao final da explanação, Marta Irving listou algumas questões centrais para os próximos debates sobre o tema. A professora afirmou que é necessário buscar um compromisso para produzir conhecimento além dos padrões convencionais; consolidação o conceito de sociobiodiversidade para as cidades; desmistificar a relação desenvolvimento industrial e proteção da natureza e repensar o modo de vida contemporâneo. “Não há como reduzir a emissão de poluentes sem refletir sobre a maneira como nós vivemos”, concluiu.