As mulheres e as migrações. Foi este o tema que norteou os debates da sexta mesa redonda do Colóquio Internacional Fronteiras e diversidades culturais no século XXI: desafios para o reconhecimento no estado global, realizado no Auditório Professor Manoel Maurício de Albuquerque, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), no campus da UFRJ na Praia Vermelha. Chamada de Diáspora, deslocamento e gênero, a mesa encerrou, na última quinta-feira (02/06), às 16h, o segundo dia de discussões do evento, tendo à frente os professores Maria Inácia D’Ávila do Instituto de Psicologia (IP) da UFRJ e Helion Póvoa Neto do Departamento de Geografia. Também estiveram presentes as pesquisadoras estrangeiras Annick Durand Delvigne, da Université de Lille 3 – Charles de Gaulle e Yvette Flores-Ortíz, da University of California, abordando questões como a relação entre gênero e pobreza, as políticas de migração no mundo e o perfil heterogêneo das migrações femininas.
A abertura do debate ficou por conta da professora Maria Inácia D’Ávila, que recordou uma frase que ilustra seu pensamento diante da situação desfavorável da mulher: “O homem mais pobre do mundo é uma mulher negra”, citou Com isso, a docente afirma que, na sociedade em que vivemos, quanto mais escura for a pele, mais difícil será o acesso do cidadão à renda e à sociedade. Caso se trate de uma mulher, este quadro se tornará mais grave. Portanto, pautada em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Maria Inácia diz que os fatores de gênero incidem mais nas mulheres, “as tornando mais vulneráveis à pobreza”. Gera-se com este processo uma maior intenção de migrar para regiões onde supostamente haja melhores condições sociais. Afirma, por fim, que a globalização tenta “ocultar desigualdades de gênero” que são latentes em seus trabalhos.
Já o professor Helion Póvoa Neto disse que o slogan da globalização, de que “vive-se sem fronteiras”, não passa de mentira. Segundo ele, a partir dos anos 1970, houve um freio das políticas de estado quanto à migração estrangeira. “A partir desta época, nos Estados Unidos e Europa, com a crise do petróleo principalmente, teve fim o incentivo à migração”, apontou. Afirmando ter se intensificado “a circulação de capital e ideias apenas de certas pessoas” mediante a globalização, diz que o fim do Muro de Berlim não significou o fim da segregação, já que hoje existem muros separando EUA do México, Espanha do Marrocos e Israel da Palestina.
As mulheres no mundo
Para a professora francesa Annick Durand Delvigne, as mulheres que tomam a iniciativa de migrar deixam uma “margem de manobra sobre as questões de gênero, por mais que ela seja tênue.” Ou seja, a mulher cria uma maior autonomia sobre si mesma. Afirmando que “falar de gênero resulta em falar de mulher”, já que são as menos favorecidas, diz que em 2000 elas representavam 49% da população mundial que migrava. Atualmente, são mais da metade. No entanto, representam um grupo heterogêneo: “Mulheres migrantes não formam grupo igual, nem em questão de origem e nem em questões sociais.”
Para finalizar a mesa, a professora Yvette Flores-Ortíz, americana de origem mexicana, apresentou estudo sobre as mulheres maias originárias do México que migravam para os Estados Unidos ilegalmente. Ressaltando o caráter “único e singular” da situação, já que elas são indígenas, “estrangeiras” dentro de seu próprio país, representando apenas 10% da população mexicana, muitas vezes não falando nem espanhol, Yvette Flores relatou as dificuldades da ultrapassagem da fronteira com os EUA e a problemática da inserção do nativo dentro da sociedade americana. “Muitas mulheres percebem que o sonho americano não existe”, disse.
Passando por abusos sexuais nas fronteiras, e pela violência e alcoolismo dos maridos acometidos pela dificuldade de vida de um imigrante ilegal, as mulheres maias geralmente entram em depressão e pensam em suicídio pela falta dos filhos que ficaram no México. No entanto, por não terem acesso a métodos contraceptivos, acabam engravidando nos EUA e sendo acusadas de aplicarem o “golpe da barriga” para conseguir o Green Card. Há o nascimento, então, de uma cultura híbrida por meio de famílias transnacionais, pois não são considerados originariamente nem americanos, mexicanos ou maias.