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Perda da visão na idade adulta

Na última sexta-feira (08/04), o Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ recebeu a pesquisadora Cristina Barros Medeiros, analista de gestão em saúde do setor de programas sociais da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), que apresentou a palestra “A perda da visão na idade adulta e a construção de caminhos de superação: uma discussão baseada na antropologia filosófica”.

Doutoranda do Laboratório de Tese e Desenvolvimento Social do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa (Coppe) da UFRJ, Cristina Medeiros constatou que cerca de 50% dos brasileiros apresentam alguma dificuldade para enxergar. Surpresa, decidiu elaborar uma proposta de inclusão social nos institutos Helena Antipoff e Benjamin Constant, pautando-se em técnicas e ferramentas de apoio, programas de reabilitação e atuação profissional. “O meu foco eram pessoas que perderam a visão e os profissionais que cuidavam delas”, explicou.

“Passei um ano e meio nos corredores, observando, percebendo a movimentação, conversando. Comecei a fazer parte da vida deles”, declarou a pesquisadora. Foi frequentando aulas de teatro, seminários, colóquios e passeios que Cristina percebeu uma demanda motivacional. “As pessoas não queriam aprender o braile. Não tinham interesse, porque isto não fazia sentido para elas”, disse. Assim, a pesquisa rumou para um ponto “muito mais humano”, o da readaptação e reestruturação da vida. “A maioria destes sujeitos sofreu acidentes, interrompendo suas atividades de maneira aguda. Isto faz a gente parar para pensar”, refletiu.

A estrutura da pesquisa foi dividida em dois aspectos fundamentais: teoria e interatividade. A primeira parte contou com questões conceituais e estatísticas e a segunda, com diálogos, entrevistas e relatos dos indivíduos envolvidos. “Era preciso outro olhar sobre aquilo que eu já estava vendo”, ressaltou Cristina. Dentre os profissionais – professores de Educação Física, pedagogos, psicólogos, entre outros – estavam cinco cegos. Ao todo, estiveram presentes, de maneira efetiva no programa, 76 deficientes visuais.

Ao contrário do que normalmente se imagina, apenas duas pessoas retornaram às suas atividades habituais depois da perda da visão, mas mesmo assim, alegaram perceber que isto não fazia mais nenhum sentido. Segundo a pesquisadora, eles queriam dançar, passear, ir a exposições, fazer aulas de inglês e informática e não mais se apegar a trabalhos e ocupações “tradicionais”.

Um dos passeios preferidos do grupo era visitar o Corcovado e o Pão de Açúcar. “Eu ouvia muito expressões como ‘cheiro de chuva’, ‘cheiro de terra’, comentários sobre o calor do sol e o frescor da brisa”. Para Cristina, eles estavam aprendendo a aprimorar outros sentidos em atividades “tipicamente visuais”. “Eles queriam se sentir ativos, participando efetivamente da vida social”, afirmou a pesquisadora. Para ela, este é um dos principais motivos pelos quais os “cegos tardios” buscam as artes: cerâmica, pintura, música, teatro, etc.

O conceito de readaptação está intimamente ligado à recuperação do sentido da existência da vida após a perda da visão. Para Cristina Medeiros, a palavra-chave é motivação. “A construção de caminhos de superação é potencializada pelas relações de pertencimento e de vínculo em grupos de convivência. As condições de superação são singulares, não sendo reprodutíveis por vias conceituais; seu aprendizado se dá pela exemplaridade e pelo empenho pessoal”, concluiu.